Volta às aulas na pandemia: muito mais que o sim ou não
Maria do Rosário (*)
O debate sobre a volta às aulas não pode ser conduzido de forma simplista. Mais que o sim ou não, é uma questão sobre a valoração da vida. É evidente que todos temos concordância sobre a importância da educação e da escola no desenvolvimento das crianças e adolescentes, bem como a tranquilidade de pais e mães em terem um espaço adequado para deixar seus filhos e filhas.
No entanto, do ponto de vista público, a tão desejada volta às aulas presenciais não é uma opção razoável quando pode colocar a vida em risco, em meio a uma nova variante de um vírus que chegou a matar 4 mil pessoas por dia no país. Uma decisão equivocada nos levará a aceitar estas mortes como um padrão cotidiano. Naturalizaremos a morte como caminho inequívoco e comum da realidade? Às portas de um inverno rigoroso, onde a previsão é pelo agravamento de doenças respiratórias, é razoável colocar professoras, alunos e suas famílias em risco? Abriremos agora para fechar novamente em algumas semanas, diante de tragédia anunciada?
Não é este o debate a ser feito, mas sim o da vacinação imediata! Não aceitemos o falso debate sobre quem é a favor ou contra a volta às aulas. Nos unamos pela vacinação massiva!
Pouquíssimas semanas atrás os Estados Unidos estavam em condição tão precária quanto a brasileira e o que aconteceu? Através de um novo governo, mudaram a política de enfrentamento ao vírus e rapidamente estão cobrindo toda a população com a imunização. Resultado? A vida começa a voltar ao normal rapidamente. Assim tem sido em todos os países que deixaram de lado o negacionismo e as falsas polêmicas, apostando na vacinação. Aqui no Brasil, está sendo necessária uma CPI para investigar o governo e as causas do país ter se tornado o epicentro da pandemia que já causou quase 400 mil mortes, e ainda tentar incidir na sua continuidade e impactos.
Sim, a comunidade escolar precisa voltar às aulas presenciais, mas só quando houver segurança para preservar a vida de todos e todas. Não há critérios científicos justificados pelo Poder Executivo (estado e municípios) quanto às condições sanitárias e controle da contaminação em caso de reabertura das escolas. Lembrando que o SUS está atuando no seu limite e estamos enfrentando novas variantes da COVID-19 mais letais, mais contagiosas, comportamentos e impactos ainda desconhecidos pela comunidade científica.
O governador agora tenta burlar as decisões judiciais mudando as regras de bandeira no Estado. Quer abrir as escolas em um momento muito pior de contágio e condições de atendimento no sistema de saúde do que quando decidiu manter as escolas fechadas e aulas online por avaliar que era de alto risco as aulas presenciais.
A comunidade educacional, cientistas, pensadores da educação e quem historicamente atua em defesa do fortalecimento da escola pública como um componente da democracia e da cidadania, sabem a importância das crianças e adolescentes estarem na escola, mas se encontram na difícil situação de afirmar que não há condições sanitárias para a volta as aulas presenciais.
Ao contrário de alguns políticos e setores sociais que defendem o “homeschooling” – educação exclusivamente em casa – e muitos são os mesmos que defendem as aulas presenciais em meio ao ápice da crise pandêmica, acreditamos que a Escola e as aulas presenciais são fundamentais para a socialização das crianças, para o desenvolvimento da aprendizagem, para a diminuição da desigualdade educacional e para a segurança alimentar. Todavia, não podemos compreender o enorme problema educacional desvinculado da tragédia sanitária e humanitária que estamos vivendo e cuja solução passa inclusive por alterar o que deveria ser o comando político do nosso país.
O resultado da reabertura das escolas para aulas presenciais sem a segurança sanitária teria como impactos o aumento do contágio, um novo colapso do sistema de saúde, surgimento de novas variantes e mutações do vírus e a volta para as aulas remotas após a piora da pandemia. E com isso, uma espera muito maior para o retorno em definitivo das aulas presenciais.
O governador Eduardo Leite e outros gestores irresponsáveis tentam criar um conflito mentiroso entre as necessidades econômicas de pais e as demandas educacionais dos estudantes com a proteção da vida das pessoas que compõem a comunidade escolar.
O governo do Rio Grande do Sul deve concentrar seus esforços políticos, jurídicos e econômicos na vacinação da comunidade escolar, investindo nas estruturas escolares e na ampliação do Sistema de Saúde, garantindo o amplo acesso à internet para estudantes, além de um auxílio emergencial que garanta uma condição digna de vida e políticas econômicas para as empresas garantirem os empregos. No entanto, vemos o oposto: as professoras e os professores sequer começaram a ser vacinados e está faltando a segunda dose da vacina para muitas pessoas das poucas que receberam a primeira dose, um completo abandono de estratégias para combater a crise econômica e seus impactos sociais e, em contrapartida, a prioridade na entrega de nossas estatais.
Diante disso tudo, não vamos deixar que nos dispersem. O mais urgente, nesse momento, é vacina já para todos e todas e a luta para que o nosso país possa voltar a viver numa democracia em que, de fato, a educação e a vida sejam valorizadas. Só assim a vida vai voltar ao “normal”.
(*) Deputada Federal (PT/RS), Professora, Mestre em Educação e Doutora em Ciência Política.
Publicado em Sul21