“Sou autora da lei, mas ela nasceu de fora para dentro da Câmara”

Finalista na categoria Legislativo, a parlamentar encaminhou medida que tornou essenciais o funcionamento dos serviços de proteção e auxílio a mulheres, idosos e crianças em risco de violência doméstica durante a pandemia

A união de mulheres, definitivamente, faz a força. E pode-se dize que no Congresso brasileiro principalmente. Foi desta forma, com a pressão de 36 parlamentares da bancada feminina, que o Projeto de Lei 14022/20, criado pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) para combater a violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, se tornou uma das principais política públicas em vigor no país desde março deste ano.

O PL teve como co-autoras nomes tão diversos como Luíza Erundina (do PSOL-SP), Rejane Dias (PT-PI) e Lídice da Mata (PSB – Bahia), entre outras. Ele define como essenciais os serviços e as atividades abrangidos relacionados às mulheres em situação de violência doméstica ou familiar, aos casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos, crianças ou adolescentes. Também estabelece a forma de cumprimento de medidas de combate e prevenção à violência doméstica e familiar previstas de acordo com a Lei Maria da Penha e com o Código Penal). A medida vale durante toda a vigência do chamado estado de emergência de caráter humanitário e sanitário, declarado em território nacional.

“Essa lei ela nasceu primeiro do conhecimento internacional que a gente teve, da informação de que, onde a pandemia estava passando no mundo, a violência contra a mulher e a violência doméstica estavam aumentando”, explica a deputada. “Em março ainda, inicio do período de isolamento, grupos de mulheres feministas com quem tenho contato me sugeriram essa proposta. Esse projeto nasceu de mulheres que acompanham o nosso mandato”, fala. “Digo que sou a autora formal da lei, mas ela nasceu de fora para dentro da Câmara”.

“Acabei postando sobre o PL no grupo da Bancada Feminina, pedi ajuda a outras mulheres. No final, 35 mulheres se tornaram co-autoras” Maria do Rosário

Apesar da clara necessidade de se votar um projeto como esse, principalmente diante do assombroso aumento no número de crimes cometidos contra mulheres e crianças durante a pandemia no Brasil, Maria do Rosário afirma que, se a bancada não tivesse se mobilizado, possivelmente a lei jamais teria saído do papel. “Eu tive dúvidas se conseguiria aprová-la e se seria sancionada uma lei de minha autoria por esse presidente da República. Fiquei realmente preocupada com isso”, conta. Vale lembrar aqui que Maria do Rosário moveu e ganhou um processo por danos morais contra Jair Bolsonaro, em 2014, quando ele ainda era parlamentar. O atual presidente foi condenado a pagar uma indenização de R$10 mil por ter dito que ela não merecia ser “estuprada” por ser “muito feia”.

“Acabei postando sobre o PL no grupo da Bancada Feminina, pedi ajuda a outras mulheres. No final, 35 mulheres se tornaram co-autoras. Acho que só por isso conseguimos. Foi metade da bancada. Se ele vetasse, teria que vetar uma lei de 36 mulheres e não só de uma”, afirma a deputada.

Maria do Rosário faz coro às muitas vozes que veem risco real de perda de direitos já conquistados pelas mulheres no Brasil de agora. Até porque, a polarização ideológica vem se concentrando, de forma deliberada, nessas questões: “Essa disputa atinge as mulheres, porque muitas são levadas a crer que essas propostas retrógradas possam, de alguma forma, ser positivas. Nosso trabalho é muito de esclarecimento. Por isso existe tanto valor quando acontece qualquer forma de reconhecimento. Mesmo assim, se não existisse, acho que a gente faria igual, porque é uma dimensão ética, sabe?”, diz a deputada.

Imersa em ações e leis que melhoram a vida da parcela feminina da população há mais de 20 anos, Maria do Rosário sofre com a violência política, outro tipo de agressão contra as mulheres, que neste caso ocorre em esfera pública. Ela é um dos alvos preferidos de certos grupos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Mesmo assim, não se deixa intimidar em suas ideias e posicionamentos no Congresso: “É preciso ter clareza das propostas que a gente carrega na vida pública”, diz ela. “Eu me considero uma pessoa aberta ao dialogo com todas as linhas politicas, mas não aceito intolerância – nem política, nem religiosa, nem racial e nem de gênero” reforça. “Esse é o maior desafio na política brasileira: garantir diálogo quando há setores que ganham politicamente, buscam votos pautando-se pela intolerância. Eu prefiro a coerência. É para isso que eu estou na vida pública, pelos Direitos Humanos. Se não for por isso, não faz sentido”, finaliza.

Luciana Borges e Giovanna Brezolini | Colaboração para a Marie Claire

Publicado em: Marie Claire

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