O retorno as aulas e a pandemia da Covid-19

Desde o início da pandemia, já ultrapassamos os 200 dias de suspensão das atividades presenciais de ensino. Ao longo desses 7 meses o governo federal não conseguiu formular uma política de combate aos efeitos causados pela pandemia do COVID-19 na educação brasileira, tampouco assumiu a sua responsabilidade de coordenar a política nacional de educação, conforme disposto no paragrafo 1 do Artigo 8 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB nº 9.394/1996.

Quando notificadas as primeiras vítimas da pandemia, iniciamos um debate no âmbito legislativo para assegurar o princípio da gestão democrática nas instituições e sistemas de ensino de acordo com a legislação educacional brasileira.

Observando o que ocorria em outros países, percebemos que seria necessária uma ação de excepcionalidade para mitigar os efeitos da suspensão das atividades presenciais de ensino, por isso apresentei na Câmara do Deputados o Projeto de Lei 680/2020.

A única proposta apresentada pelo governo ocorreu quase um mês depois através da Medida Provisória 934 (Lei 14.040 de 18/08/2020), com apenas três disposições: flexibilização dos dias letivos na educação básica, flexibilização dos calendários no ensino superior e abreviação da formação em cursos da área da saúde. O Ministério da Educação não foi capaz de apresentar um programa com recomendações, orientações técnicas e recursos adicionais para que os estados e municípios pudessem construir e implementar políticas de enfrentamento aos efeitos da pandemia na educação.

Mesmo sabendo o que estava ocorrendo em outros países, o Brasil não se preparou para essa pandemia que se constitui como uma das piores tragédias de nossa história. Sem uma ação coordenada pelo MEC, os estados e municípios foram buscando soluções. Porém, a falta de parâmetros levou à fragilização das condições de garantia do direito à educação conforme disposto no Artigos 204 e 205 da Constituição Federal.

O agravamento dessa situação deu-se dia após dia e ainda não temos um planejamento para enfrentar essa pandemia, nem na educação, nem na saúde, nem na economia. Muitos estados e municípios já começaram a organizar o retorno das atividades presenciais sem que se tenham feito pactuações necessárias em áreas estratégicas como a do financiamento da educação.

De acordo com um estudo da FINEDUCA, no cenário mais otimista, a receita líquida de impostos no país poderá encolher em 7% (R$ 63,2 bilhões a menos), podendo chegar a 21% a menos no pior cenário (R$ 189,6 bilhões e perda). Para o financiamento da educação básica, ocorreria redução de recursos da ordem de R$ 17,2 bilhões (no cenário mais otimista) e R$ 52,4 bilhões (no pior cenário).

Com a crise – econômica, sanitária, política e educacional – e com a suspensão das atividades letivas por longo período (e ainda sem uma data para terminar), haverá demandas extras para a educação básica pública.

Um dos principais efeitos será o inchaço das redes públicas gerado pela contingência de muitas famílias de não poderem mais arcar com pagamentos na rede privada devido ao empobrecimento e desemprego, apenas para citar alguns exemplos. Além disso será preciso incrementar os serviços como transporte e alimentação escolar, aquisição de equipamentos de higiene e sanitização e a ampliação dos quadros de docentes e funcionárias/os nos sistemas e redes de ensino.

No âmbito pedagógico e curricular temos dito que existe um “apagão educacional” que irá comprometer toda uma geração. Na maioria dos estados e municípios a solução encontrada pelas gestoras e gestores da educação, foi o uso de plataformas digitais pagas.

No entanto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC/2018) divulgada em agosto desse ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso a internet. Isso representa 46 milhões de brasileiros que não acessam a rede, ou seja, cerca de 25% de brasileiras e brasileiro não tem acesso à internet – em áreas rurais, esse índice é ainda maior e chega a 53%. Por isso, o que vimos nesses últimos meses foi um contexto de inviabilização do acesso à educação e de negação do direito à educação.

Os pareceres exarados pelo Conselho Nacional de Educação apontam caminhos que precisam ser discutidos para que nenhuma criança e estudante seja prejudicada(o). Uma das possibilidades é um continuam entre o ano letivo de 2020 e 2021, como um ciclo, permitindo as que as redes possam fazer avaliações processuais e diagnósticas permitindo a recuperação da aprendizagem; outro caminho é o ano suplementar para estudantes concluintes do ensino médio para que eles não sejam prejudicados na continuação de suas trajetórias formativas e ou profissionais. Vale lembrar que na legislação educacional brasileira o calendário letivo não está associado ao ano civil, é possível pensar em diferentes arranjos.

O retorno presencial das atividades de ensino não vai acontecer como se estivéssemos voltando das férias de verão ou de um recesso. Nossas vidas mudaram, pessoas não vão retornar, pois, suas vidas foram ceifadas por essa pandemia. Outras retornarão em condições adversas, até mesmo em luto, possivelmente muito diferente da última vez que nos encontramos.

A pandemia e o contexto pelo qual estamos vivendo criou um quadro de dinâmicas de sofrimento que têm levado ao adoecimento psíquico, a drogadição, a diferentes enfermidades e também tem as sequelas de quem sobreviveu ao vírus. Seremos outras pessoas. Os tempos e espaços escolares também não serão mais os mesmos: aulas de arte, aulas de educação física, atividades de teatro, dança, as brincadeiras, os recreios, passeios, atividades em grupo…tudo terá que ser repensado. Além disso, como iremos adentrar as escolas sem que possamos trocar abraços, sem poder acolher os que sofrem, sem apertar as mãos uns dos outros. A escola é um lugar onde a vida pulsa, será que os protocolos darão conta de nos prender e de nos segurar?

Temos muitos desafios pela frente. Precisamos repensar os modelos educacionais sem permitir a precarização da educação, a desvalorização profissional e continuação das jornadas de trabalho que foram ampliadas na educação. Assim, como não podemos aceitar a privatização da educação através da mercantilização do ensino e do avanço do setor privado sobre a educação pública.

A educação é um direito humano inalienável e por isso tenho me inspirado muito nas palavras do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, quando ele diz que devemos construir progressivamente uma escola pública, democrática, laica, popular, autônoma, competente, séria e alegre ao mesmo tempo, animada por um novo espírito. “Queremos construir escolas para onde as crianças, jovens, os professores, todos gostem de ir e sintam que são suas. Não as abandonem”.

Publicado no

Publicado no Boletim FAEB de outubro/2020 – Ensino remoto emergencial

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