Com reforma, governo quer beneficiar sonegadores
Deputada federal falou sobre a reforma da Previdência e a intervenção militar no RJ em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) falou com exclusividade à Radio Brasil de Fato, na tarde desta segunda-feira (19). A parlamentar comentou o atual cenário no Congresso Nacional para a votação da reforma da Previdência e sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro, decretada na última sexta-feira (16) pelo presidente golpista Michel Temer (MDB).
“A previdência não é deficitária. Há inúmeras comprovações técnicas muito bem elaboradas nesse sentido. O que acontece é que o governo quer deixar de oferecer sua contrapartida para beneficiar os sonegadores”, afirmou, destacando que os deputados federais da oposição estavam preparados para fazer o enfrentamento contra a aprovação da reforma, quando foram surpreendidos pelo decreto de intervenção.
Caso haja a aprovação do decreto, que será votado na Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (19), fica proibida a votação de qualquer Emenda Constitucional enquanto a intervenção vigorar.
Confira a entrevista completa:
Como está o clima político neste momento no Congresso Nacional?
“Nós [deputados da oposição] estávamos preparados para fazer um enfrentamento contra a reforma da Previdência. Sabíamos que o governo teria dificuldade em conseguir os votos. (…) A Previdência não é deficitária. Há inúmeras comprovações técnicas muito bem elaboradas nesse sentido. O que acontece é que o governo quer deixar de oferecer sua contrapartida e beneficiar os sonegadores.
Íamos votar a reforma hoje no Congresso, mas com a intervenção militar no Rio de Janeiro, teremos na pauta o decreto de intervenção. Constitucionalmente ele é chamado de intervenção federal, mas trata-se de uma intervenção militar federal, uma intervenção que não tem a ver com segurança pública, mas uma tentativa de manter seguro, politicamente, o governo moribundo de Temer, que cortou recursos em todas as áreas sociais, inclusive na segurança pública, na saúde, educação, por 20 anos.
O governo já fez ações de censura. Censurou o “Vampirão” da Tuiuti, que foi impedido de usar a faixa presidencial. O governo viu a favela, o povo, começar a se mobilizar contra ele. O que fez então? Montou uma intervenção militar no Rio de Janeiro. Essa intervenção militar é um estado de exceção, que pode se colocar contra movimentos sociais, contra a contestação. Nós sabemos que o problema da segurança é grave, e queremos soluções efetivas, que não se faz dessa forma. Essa medida é muito mais uma pirotecnia, uma forma de aparecer, do que uma efetiva ação responsável pela segurança pública que a população merece e tem direito como direito humano.
Qual a chance real do governo Temer retomar a reforma da Previdência?
Eu vejo que o governo, em nenhum momento, retira a reforma da Previdência da agenda política dele, por isso os trabalhadores e trabalhadores, os sindicatos e movimentos, têm que ficar muito ligados porque o governo joga politicamente com essa intervenção, que o obriga retirar da pauta a reforma da Previdência, já que uma reforma constitucional sob intervenção federal é impossível.
Mas o governo, ao mesmo tempo que é obrigado a tirar a reforma da agenda, a mantém na pauta política porque quer garantir mais apoio social para si, melhorar a situação de Temer e dos deputados, seus índices de aprovação, para votar essa reforma e outras tão danosas quanto ao interesse da população. Então o plano de fundo disso tudo continua sendo o ataque a população e a retirada de direitos.
Essa intervenção ocorre justamente em ano eleitoral. Queria que a senhora avaliasse esse momento em que o governo lança mão de uma alternativa tão drástica.
Essa palavra está sendo muito adequadamente utilizada por ti. É uma atitude drástica. A Constituição determina algumas possibilidades de intervenção, e essa é anterior a uma intervenção via Estado de sítio, mas é colocada no mesmo caminho. E para quem acha que isso é exagero, se isso não for uma possibilidade hoje, o caminho que o governo Temer e essas elites de modo geral estão trilhando não deixa dúvidas de até onde podem estar dispostos.
Uma intervenção retira direitos políticos, relativiza a possibilidade de defesa. há uma autorização para abordagens violentas, que ferem a legalidade. Uma intervenção de caráter militar é ainda pior porque não se direciona à sociedade, mas particularmente às favelas, aos morros, como se a criminalidade só estivesse localizada nesses territórios, quando sabemos que a grande criminalidade, seja dos crimes organizados, também está por dentro do Estado, com a lavagem de dinheiro, no tráfico de drogas e armas.
Os direitos humanos são deixados de lado por esse governo. Se você pegar os números apresentados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), você vê um crescimento das mortes no campo de trabalhadores e trabalhadoras do direito da terra, um crescimento da violência contra indígenas, quilombolas, campesinos, mulheres. Vemos o crescimento de violências de todas as formas mais abomináveis. E vemos isso em paralelo à outro tipo de violência, que é a violência social, econômica, o desemprego, a falta de moradia, o despejo de pessoas. De pessoas que tentam morar e não conseguem, tentam vaga no Sistema de Saúde e não conseguem.
Se as políticas sociais estão fechando no Brasil elas significam violação grave aos direitos humanos. E agora tudo isso é coroado com a pá de cal na democracia. O golpe foi um caminho contra a democracia, sem dúvida. Temos um presidente sentado ali que não tem os votos para ser presidente, fruto de um Congresso corrupto, e de um colégio eleitoral que vendeu o mandato de presidente, rasgando 54 milhões de votos. Ele implementa um projeto neoliberal que não foi votado pela população.
E se tudo isso são atos contra a democracia, agora essa intervenção coloca na cena política as Forças Armadas, cuja memória no Brasil é de violência. Todas as vezes que as FA se envolveram com política, temos violência contra os que resistem, contra os movimentos, contra a população, contra os que lutam pela democracia. Nós nem concluímos a Comissão da Verdade, e agora estamos dando licença novamente para uma intervenção política das FA no RJ como uma antessala do que estão produzindo para o Brasil, às vésperas das eleições.
Se observamos isso, e o que o Judiciário fez contra o Lula, que é um jogo de cartas marcadas, temos um cenário de uma eleição que não será livre, não terá liberdades básicas, com forças armadas nas ruas de uma grande cidade, ou até de mais cidades, e ao mesmo tempo o candidato com a maior força para derrotar esses golpistas sendo retirado do cenário. A palavra de ordem da oposição parlamentar é: resistência.
Há um risco de impunidade por conta dessa intervenção já que ela foi tomada quatro meses depois de uma lei sancionada por Temer que garante que as violações cometidas por militares sejam julgadas exclusivamente por tribunais militares?
Sim, essa decisão viola totalmente os direitos humanos, tem sido contestada internacionalmente nos diversos fóruns de direitos humanos, na Organização dos Estados Americanos (OEA). Ela é inconstitucional. No entanto, no Brasil, a Constituição vem sendo rompida todos os dias. Essa impunidade, esse salvo conduto para a violência, realmente está colocada em um cenário em que a intervenção viabiliza uma violência impune.
Se já é difícil no Brasil responsabilizar as polícias quando elas abusam da autoridade e não cumprem seu papel institucional de proteção, e agem com violência contra as pessoas quando fraldam, inclusive, os altos de resistência, se já é difícil documentar isso, agora, com as FA, fica praticamente liberado. Claro que vamos lutar contra isso. E é muito bom que a população documente todo o abuso de autoridade. Mas sem dúvida o que Temer fez foi criar um salvo conduto contra a população das favelas do Brasil.
Como será a votação hoje, como a oposição pretende atuar? Há a possibilidade de obstruir os trabalhados da Câmara?
Eu acho que o governo joga com um sentimento verdadeiro da população, que é um medo da violência tão presente em uma cidade como o Rio de Janeiro. Ele joga areia nos olhos de uma população abandonada por ele próprio. Por isso, alguns deputados encontrarão argumentos favoráveis à intervenção, talvez uma maioria. Mas vamos resistir aqui, demonstrando a falsidade e o perigo que é um regime de exceção que começa com o pretexto da segurança, mas que, na verdade, não terá ordem nem segurança.
Tem uma reunião da oposição para verificar a estratégia. A princípio, faremos o debate político com todos os instrumentos que tivermos. Não acredito que essa matéria tem que ser obstruída, mas sim discutida. Temos uma responsabilidade histórica a cada momento no Brasil de garantir que os lados fiquem claros. Para o lado de cá, queremos políticas públicas sérias, dedicação, garantia orçamentária e o fim de um processo neoliberal. Só tem uma saída: eleições gerais livres com Lula presidente. Vamos fazer um bom debate aqui.
Edição: Simone Freire
Publicado em: Brasil de Fato