578 entidades pedem fim de revisão secreta da política de direitos humanos

Leonardo Sakamoto

Colunista do UOL

18/02/2021 16h55

Uma carta assinada por 578 entidades e movimentos da sociedade civil foi entregue à Câmara dos Deputados, nesta quinta (18), pedindo a revogação de portaria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que instituiu um grupo que irá revisar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) apenas com membros do Poder Executivo e com debates realizados em sigilo. As adesões continuam após a entrega, portanto, o número deve aumentar.

Em evento via plataforma digital, com a participação de representantes de organizações, parlamentares e ex-ministros, o documento foi recebido pelo deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), 1º vice-presidente da Câmara.

De acordo com a petição, a portaria vai permitir que um pequeno grupo de pessoas indicadas pela ministra Damares Alves, titular da pasta, analise e altere a política e o programa de direitos humanos. Isso, segundo as entidades, bate de frente com a natureza coletiva do PNDH, que apesar de ter sido fruto de decreto presidencial em 2009, foi construído através de conferências locais, regionais e nacional envolvendo mais de 14 mil pessoas.

Os participantes cobraram a aprovação de projeto de decreto legislativo 16/2021, que susta os efeitos da portaria 457/2021. E também ações para questionar a constitucionalidade da portaria junto ao Supremo Tribunal Federal.

“Na contramão dos princípios do estado democrático de direito, que tem na participação popular sua principal estratégia, a portaria propõe analisar e alterar o PNDH-3 impondo, desta forma, sua agenda de regressividade de direitos”, afirma o abaixo-assinado.

Participaram Maria do Rosário, Nilmário Miranda, Paulo Vannuchi e Eugênio Aragão, ex-ministros da área de Direitos Humanos e da Justiça de governos petistas, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e parlamentares como Áurea Carolina (PSOL-MG), Alexandre Padilha (PT-SP), Erika Kokay (PT-DF), Lídice de Mata (PSB-BA), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Túlio Gadelha (PDT-PE), entre outros.

“O governo está destruindo o PNDH, que define ações para um Brasil civilizado, com dignidade básica. O programa não pertence a esse governo. É do Brasil e transcende gerações”, afirmou Maria do Rosário à coluna.

Ao receber simbolicamente o documento, Marcelo Ramos disse que se comprometia em ser o interlocutor para “resgatar o plano nacional e junto com ele, políticas inclusivas, de tolerância e de combate à discriminação”.

E comentou rapidamente o assunto da semana, o vídeo em que Daniel Silveira (PSL-RJ) ameaça os ministros do Supremo Tribunal Federal e faz apologia à ditadura militar. Ramos criticou o que chamou de “agenda da estupidez, da arrogância, do obscurantismo que tomou conta do nosso país expressada pela fala de deputado Daniel Silveira”.

Críticas à falta de participação popular na revisão da política

“Queremos analisar com calma como os direitos humanos estão sendo tratados em seus mais diversos âmbitos. É um trabalho que trará mais benefícios no enfrentamento a violações no nosso país. Esse é o nosso objetivo”, afirmou a ministra Damares Alves, em nota divulgada no site do ministério sobre a instituição do grupo. Segundo ela, o trabalho vai trazer atualizações e aperfeiçoamento às políticas públicas de direitos humanos no Brasil.

O ministério afirma que a equipe será “composta por diversos representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e contará com a participação da sociedade civil”.

Contudo, no próprio texto da portaria, o ministério explicita que o governo “poderá convidar” representantes de entidades públicas e privadas para participar das reuniões, mas “sem direito à voto”.

Ou seja, o grupo, que vai analisar e rever a política nacional de direitos humanos e terá como foco programas, normativos, planos, projetos e pactos, não inclui como membros efetivos representantes da sociedade civil, dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. A falta de participação popular na revisão do programa levou às entidades signatárias a alertarem que o Brasil desrespeita, dessa forma, tratados internacionais que assinou.

De acordo com abaixo-assinado, “o PNDH-3 foi precedido de 137 encontros prévios às etapas estaduais e distrital, denominados Conferências Livres, Regionais, Territoriais, Municipais ou Pré-Conferências, das quais participaram ativamente cerca de 14 mil pessoas, reunindo membros dos poderes públicos e representantes dos movimentos de mulheres, defensores dos direitos da criança e do adolescente, pessoas com deficiência, negros e quilombolas, militantes LGBTI, pessoas idosas, ambientalistas, sem-terra, sem-teto, indígenas, comunidades de terreiro, povos ciganos, populações ribeirinhas, entre outros”.

‘Fica vedada a divulgação de discussões’

Além da falta de participação popular, a portaria foi duramente criticada pela ausência de transparência, uma vez que estabelece sigilo sobre os debates.

“Fica vedada a divulgação de discussões em curso pelos membros do grupo de trabalho antes do encerramento de suas atividades”, afirma o Artigo 4º, parágrafo 5º da portaria.

Assinam a carta entidades e movimentos como a Comissão Pastoral da Terra, a Federação Nacional dos Jornalistas, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, o Movimento dos Atingidos por Barragens, o Instituto de Defesa do Direitos de Defesa, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, a Confederação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, as Mães da Maré, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o Movimento Sem Terra, a Marcha Mundial das Mulheres, entre outros.

O 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos, que estabelece ações e metas para efetivação dos direitos fundamentais no país, foi alvo de críticas após a sua publicação, em 2009, de setores conservadores. Houve críticas às metas voltadas a aprofundar o desarmamento, proteger a dignidade da população LGBTQIA, efetivar direitos reprodutivos, garantir laicidade do Estado, trazer à luz torturas e assassinatos cometidos durante a ditadura militar, proteger o meio ambiente e as populações tradicionais e combater trabalho escravo, trabalho infantil e tráfico de seres humanos.

Publicado em: Uol

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