Projeto dificulta o aborto mesmo após estupro

Tramita na Câmara dos Deputados o PL (projeto de lei) 5069/2013, aprovado pela CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) há poucos meses. A proposta dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro. De autoria do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a proposta condiciona a permissão da interrupção da gravidez à comprovação de um exame de corpo de delito e um comunicado à autoridade policial.

No texto atualmente em vigor, não há uma referência expressa sobre a necessidade de provas da violência sexual. O projeto também torna crime induzir e orientar gestantes ao aborto. “Se aprovado, o texto trará mais dificuldades para as vítimas de violência”, afirmou a deputada Maria do Rosário (PT-RS). O relator do projeto, deputado Evandro Gussi (PV-SP) discorda. Para ele, a proposta torna apenas mais clara as regras já existentes. “Aborto não é um direito. É uma exceção. E a existência da prova do estupro sempre foi exigida.” A justificativa da proposta do projeto é “refrear a prática do aborto, que vem sendo perpetrada sob os auspícios de artimanhas jurídicas”. “São vários os mecanismos apresentados no texto para dificultar o acesso. É um claro retrocesso nos direitos das mulheres”, avaliou Maria do Rosário.

O texto classifica como crime a venda ou entrega de substância e objeto que possam ser usados para provocar aborto. A pena é de 6 meses a 2 anos. Se o crime for cometido por agente de serviço público de saúde, a pena prevista é maior: 1 a 3 anos. “É uma clara forma de intimidação”, disse Maria do Rosário. Para Gussi, o texto deixa claro que o profissional de saúde está preservado nas exceções previstas na lei. No Brasil, o aborto é crime, mas possui três exceções: quando a gravidez trouxer risco de vida à paciente, quando a gravidez for fruto de estupro ou quando o feto é anencéfalo.

Entidades ligadas ao direito das mulheres e um grupo de parlamentares criticaram ainda o trecho do projeto que permite que um profissional de saúde ou uma instituição se recuse a receitar ou adotar procedimento que considere abortivo – a chamada objeção de consciência. A maior crítica é a de que esse artigo possibilita que profissionais de saúde se recusem a receitar a pílula do dia seguinte para as vítimas de violência. “A pílula não é abortiva. Mas profissionais que erroneamente considerarem a pílula abortiva podem, com o texto, se recusar a ofertar o tratamento para paciente.”

O relator do projeto afirma que o objetivo maior é preservar o direito dos agentes de saúde. “A objeção de consciência deve ser respeitada.” O texto determina ainda que a vítima seja encaminhada para a delegacia de polícia para coleta de informações e provas para identificar o agressor. “Isso não impede que a prova seja coletada nos serviços de saúde, por um perito, como prevê o convênio firmado entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde”, afirmou o deputado.

O Ministério da Saúde informou que está acompanhando os debates da sociedade e do Congresso Nacional sobre o tema.

Normas absurdas.
A coordenadora-executiva da Católicas pelo Direito de Decidir, ONG que luta pela legalização do aborto no País, a psicóloga Rosângela Talib chama de absurdas as normas propostas pelo projeto, para ela, uma criminalização de todas as mulheres. “Achar que nós, mulheres, somos um bando de mentirosas, que tudo o que queremos é sair inventando um estupro para conseguir métodos anticoncepcionais e o próprio aborto, é um completo absurdo. Os parlamentares têm o direito de defender a vida, mas não podem querer instituir o que pensam ao resto da população. As religiões são importantes às pessoas, mas são de âmbito privado. Não dá para uma visão religiosa pautar questões ligadas à moral”, criticou ela.

Publicado em O Sul

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