Unidade da esquerda, necessária à democracia
Ou se nacionaliza o debate e se pauta a consciência pública em todo o país, ou se assistirá a uma derrota política na medida em que nenhum gestor municipal conseguirá encontrar saídas aos problemas impostos nas cidades dentro do paradigma vigente no Brasil.
Construir a unidade da esquerda brasileira é fundamental para estabelecer um ciclo político alternativo à incivilidade que se apoderou da República. Mais que uma necessidade, é um fato que surge do imperativo de resistir e lutar. Felizmente, a ideia de unir, além de inspirar lideranças políticas, artistas, intelectuais, movimentos sociais e populares, já é uma realidade que percebemos hoje e está sendo construída nas bases da sociedade. Seja em torno da melhoria da qualidade de vida, pela retomada das políticas justas ou pelo emprego, a convergência das esquerdas é uma condição para a democracia.
A unidade das esquerdas já é, em parte, um fato, na medida em que existe uma ação acertada nacionalmente com seis partidos – PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL e PCO – com programas convergentes no repúdio aos efeitos desastrosos do Golpe de 2016, agravados pela perseguição política contra Lula, condenado injustamente sem o devido processo legal, e a controversa eleição presidencial, ao que tudo indica, contaminada.
Assim como começou, essa unidade da esquerda deve pensar o local a partir de uma visão comum sobre o país e os desafios políticos que se apresentam. Até o momento, as agremiações têm conseguido atuar conjuntamente em lutas mais institucionais e em frentes de massa que ocupam as ruas do país, com pautas que vão da campanha pela liberdade de Lula à defesa da Amazônia, da educação pública à defesa da cultura, dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras ao respeito às mulheres. Avanço importante, mas ainda insuficiente. O próximo passo deve, necessariamente, privilegiar a nacionalização do debate, por dois motivos robustos.
Ou se nacionaliza o debate e se pauta a consciência pública em todo o país, ou se assistirá a uma derrota política na medida em que nenhum gestor municipal, por melhor que seja, conseguirá encontrar saídas adequadas aos problemas impostos nas cidades dentro do paradigma vigente no Brasil. Estados e municípios estão “quebrados” e submetem-se cada vez mais aos ditames do governo federal, que exige mais entrega do patrimônio, maior redução na oferta de serviços públicos, reduz direitos de servidores e arrocha salários e aposentadorias.
O segundo motivo é pragmático, dado que o debate isolado localmente – cada município ou capital – não altera o quadro nacional. Embora a pauta local seja fundamental, ela encontra nexo ao articular-se com um plano amplo de mudanças. Assim, é possível, com um plano unificado, que uma virada política no país surja já a partir do enfrentamento de contradições locais, pois as mesmas são fruto de projetos nacionais de caráter entreguista e autoritário. Posicionamentos nacionais, agenda nítida e pactuada, alianças cujas composições sejam inspiradas por novas formas de protagonismo compartilhado e uma estratégia unificada são o caminho.
Sem suprimir o debate local, é necessário montar um mapa geral, com cenários diversos, onde, por exemplo, se possa considerar em Porto Alegre o nome de Manuela D’Ávila, pelo PCdoB; no Rio de Janeiro, o de Marcelo Freixo, pelo PSOL; em Salvador e em São Paulo, nomes importantes do PT, em outros locais PSB, PDT e, assim, sucessivamente, compor um quadro múltiplo e convergente.
Em Porto Alegre, o PT tem investido nesse diálogo entre os partidos de esquerda, bem como elaborado um chamamento conjunto de reuniões populares para articular candidaturas às eleições do ano que vem, o que, por outro lado, não substitui a articulação nacional. Ao contrário, os movimentos locais poderiam ser reforçados caso a esquerda, nacionalmente, aprofunde a pauta da unidade e seus necessários desdobramentos.
O momento é propício e reforça a importância desse movimento, especialmente porque o campo conservador está dividido em um cenário de desastre político que envolve diferentes interesses.
Exemplo disso é o escandaloso padrão de relação e ameaças dentro do partido do Clã Bolsonaro, que estabelece enormes dificuldades para viabilizar o projeto para o qual foi eleito. Neste bloco os interesses são evidentes: disputa pelo poder e programas de ajuste, redução do papel do Estado e concentração de renda que beneficiam exclusivamente o capital financeiro. Seu método tem uma dimensão autoritária, além de aproveitar a insegurança do povo para fomentar mais o medo, o moralismo vazio e o palanque permanente.
É preciso ter atenção em relação a este governo e a outros similares, de caráter ultraconservador e autoritário em nossa região latino-americana, já que é possível, como têm dito as jovens estudantes em luta no Chile, “transformar o medo em luta” e realizar rupturas com esses governos pela vontade popular. Aí reside, para nós, a dimensão da democracia, tendo como elemento básico eleições livres e limpas, o fim da perseguição a lideranças políticas e do uso criminoso das redes sociais, entre outros condicionantes da democracia.
A esquerda brasileira tem um programa generoso a oferecer, de cunho social, inclusivo e solidário, indo ao encontro de bandeiras históricas de trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, jovens, mulheres e setores médios da sociedade. Inclusive, daqueles que se iludiram com Bolsonaro e hoje se veem frente a perdas de direitos que lhes afeta. Por isso tudo e muito mais, acreditamos que a construção imediata da unidade nacional deixa de ser um desejo para tornar-se uma necessidade e uma viabilidade.
Publicado em: Revista Fórum