Quando Lula virou alvo

Por Maria do Rosário Nunes*

Em algumas ocasiões Lula afirmou que houve um tempo em que era bem tratado pela imprensa. De fato, no idos de 1970, a mesma imprensa monopolizada e colaboracionista, que anos antes havia apoiado o Golpe Civil-Militar e sustentava um regime de exceção e terror, fazia uma relevante cobertura midiática do líder que despontava. Tratava-o como o operário autêntico, o retirante nordestino, sem ensino superior, que se tornou líder, mas que afirmava que não gostava de política, nem de quem gostava de política. Lula tornou-se alvo desta mesma mídia quando passou a ter consciência de classe, ousou ser mais do que o ser apolítico que esperavam dele.

Luiz Inácio percebeu que a luta corporativa, economicista por si só, melhora a vida das pessoas, mas não muda o mundo. Que seus conterrâneos seguiriam passando fome, ainda que os metalúrgicos do ABC conquistassem melhores condições de trabalho, que o Brasil profundo seguiria sem luz, abandonado no século XIX, mesmo que os bancários e professores tivessem êxito e garantissem justíssimos incrementos salariais. Em suas palavras:

“Em nosso país, o sindicato, controlado pelo governo, não é suficiente para mudar a sociedade. O sindicato é a ferramenta adequada para melhorar as relações entre o capital e o trabalho, mas não queremos só isso. Não queremos apenas melhorar as condições do trabalhador explorado pelo capitalista. Queremos mudar a relação entre capital e trabalho. Queremos que os trabalhadores sejam donos dos meios de produção e dos frutos de seu trabalho. E isso só se consegue com a política. O Partido é a ferramenta que nos permitirá atuar e transformar o poder neste país”.

(Discurso de Lula em 1981 na I Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores)

Lula tornou-se persona non grata a partir do momento que concluiu que seria preciso fazer a transição do particular para o universal. Ir além das causas corporativas, manchar sua “pureza” de trabalhador que afirmava: “não sou socialista, sou torneiro mecânico”, que não acreditava em partidos políticos, criando um.

Para as elites brasileiras é também erro fundante do PT, ter nascido pelas mãos dos de baixo, enfrentando os donos do poder ao vencer a autoritária Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1979, conquistar espaços no Parlamento, inverter prioridades em suas gestões, e ter a audácia de chegar, com este metalúrgico, à Presidência da República.

Hoje Lula e PT estão sob cerco de fortes ataques, mas estes não são novidades, foram contínuos e constantes ao longo de suas trajetórias. Era preciso evitar que Lula ganhasse as eleições de Collor, mesmo que para isso fosse necessário usar táticas sórdidas no debate presidencial, ou promover acusações mais sórdidas ainda sobre sua vida pessoal. Que o PT fosse tratado como partido de radicais, sonhadores, sem experiência, sem capacidade para governar, para que os rumos do país fossem colocados nas mãos do sociólogo que cederia sem questionamentos ao Consenso de Washington.

Mas a manipulação não teria sucesso para sempre, Lula e o PT conseguiriam vencer as eleições presidenciais em 2002. Restava então a esperança de que o operário duraria pouco, seja metendo os pés pelas mãos, ou deixando para trás seus tempos de defensor dos trabalhadores e trabalhadoras, tornando-se, portanto, parte do sistema, traidor de sua classe, relegado aos porões da história. Mas não foi assim.

Lula, de forma autônoma e inteligente, recolocou para o Brasil um projeto nacional de desenvolvimento. Neste país cada brasileiro passou a comer ao menos três vezes por dia, nos tirando do mapa da fome; a ter empregos; pobres, negros, indígenas, moradores de periferias, a adentrar as universidades; viajar de avião, ao lado daqueles e daquelas que passaram a se ressentir pelo fim do glamour dos aeroportos, do charme da Paris de Danuza Leão – e de FHC com seu apartamento na Avenue Foch – que agora passará a ter que dividi-la com seu porteiro.

Derrotou a ALCA, investiu na integração regional, deixando, como bem disse Chico Buarque, de falar fino com os Estados Unidos e grosso com a Bolívia. Mais audácia, que deveria ser prontamente cessada com sua derrota nas urnas em 2006. Não foi. Restava impedir que em 2010 ele fizesse sucessor, no que mais uma vez não tiveram êxito. Dilma eleita investiram no distanciamento entre ela e Lula, e quando não deu certo, no fracasso do seu primeiro mandato, outra vez, sem sucesso. Dilma foi reeleita em 2014 numa das eleições mais disputadas e radicalizadas da história.

Ao fim e ao cabo foram três derrotas em eleições presidenciais para Lula, e quatro vitórias, duas dele como candidato, duas dele com Dilma. As elites sabem que Lula é o denominador comum das vitórias populares no Brasil, e decidiram mobilizar seus representantes nas instituições para destruí-lo. Para esses, é chegada a hora de acabar com o seu legado enquanto governante reconhecido por seu povo, e em todo mundo.

Em diferentes momentos da história, diante dos ataques sofridos por Lula é possível perceber que sua energia e sustentação veio do povo, de onde ele provém. A elite brasileira, predatória e preconceituosa, mesmo com os grandes ganhos auferidos ao longo dos governos petistas jamais deixou de agir através de seus políticos oligarcas/aristocratas, lhe sorrindo pela frente e lhe cravando uma adaga pelas costas. Sempre o viram como uma figura “fora do seu lugar”.

Recentemente em um café da manhã com blogueiros, Lula afirmou: “Eu hoje acho que sou mais à esquerda do que eu era. Eu tenho lido mais, eu tenho visto que mesmo fazendo o que nós fizemos por este país, ganhando o dinheiro que ganharam em nosso governo, eles ainda não nos aceitam. Há um preconceito, que não sei se é de classe, mas é visível”. Não o aceitam.

Várias iniciativas golpistas estão em curso: os mesmos que investem num impeachment sem fundamento jurídico buscam impedir a candidatura de Lula em 2018. A ação em curso contra ele visa não deixar pedra sobre pedra, impedir que a classe trabalhadora tenha alternativas reais, que deixe de acreditar em si própria, que deixe de sonhar.

Em tempos de crise, acirramento das contradições, não há espaço para a conciliação, as elites sabem disso, e nós também devemos saber. Nos atacam, pois sabem que a manutenção de nossas vitórias pode levá-los a perder seus privilégios.

Cabe a nós, os militantes, os que acreditam e trabalham por mudanças estruturais no país, os trabalhadores e trabalhadoras que ao longo das últimas quatro décadas sonhamos o mesmo sonho que Lula, e construímos um Brasil capaz de iniciar o enfrentamento às injustiças históricas, manter viva a confiança do nosso povo e a liderança essencial de Lula nesse processo.

* Maria do Rosário Nunes é deputada federal pelo PT-RS

Publicado em Revista Fórum

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