Maria do Rosário à AdUFRJ: “Se este governo se mantiver até 2022, eleições serão marcadas pela violência política, ameaças e manobras”
Em artigo publicado pelo jornal da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria do Rosário reforça a importância de intensificar a resistência desde já, mesmo que a derrota na Câmara possa indicar um arrefecimento do ânimo da oposição.
Confira o artigo de Alexandre Medeiros
OLHA ELE AÍ DE NOVO
Centrão volta ao comando da Câmara com vitória de goleada sobre a oposição, que vê chances de impeachment de Bolsonaro mais distantes e terá de se reorganizar para as eleições de 2022
Ele está de volta. Ou, seria melhor, está onde sempre esteve? Com sua incrível capacidade de adaptação e seu incontrolável apetite por benesses, o Centrão chegou oficialmente ao comando da Câmara na segunda-feira (1/2), com a vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL), digno representante do grupo que reúne, além do próprio PP, legendas como Republicanos, Avante, Patriotas, PTB, Pros, PSC e PSD. Esse grupo tem cerca de 200 deputados, mas a vitória foi acachapante. Apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, Lira teve mais que o dobro de votos de seu principal adversário, Baleia Rossi (MDB-SP): 302 a 145. O que mostra que, de forma explícita ou dissimulada, partidos de centro-direita, como DEM e PSDB, aderiram ao candidato bolsonarista e deram ao governo uma base confortável na Câmara.
“A direita liberal democrática, se podemos chamar assim, não está mais na oposição. O DEM é governo, o PSDB se dividiu. Para a oposição, foi uma derrota monstruosa. Fica muito claro que, dentro do Parlamento, a esquerda é minoritária e a base de sustentação do governo tem ampla maioria, até mesmo para aprovar uma emenda constitucional, que precisa ter três quintos dos votos dos deputados (308). O Lira foi eleito com 302, muito perto desse quórum. A resistência ao governo Bolsonaro não pode se dar só dentro do Parlamento, porque o que se anuncia é muito sombrio, seja na pauta de costumes ou na agenda econômica”, avalia o cientista político Pedro Lima, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e um dos coordenadores do Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB).
A ampla base de apoio na Câmara torna mais difícil a análise de um pedido de impeachment de Bolsonaro, ou até mesmo de uma CPI da Pandemia. E Arthur Lira nem precisa fazer esforço para sepultar essa ideia. Basta fazer o que fez seu antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ): deixar os 58 pedidos na gaveta. “O resultado das eleições no Parlamento reorganiza a sustentação política do governo no momento em que ele se encontrava mais isolado. A perda de pontos com a sociedade por sua postura irresponsável, genocida e destruidora de direitos básicos da população se fazia sentir no crescimento da adesão à ideia de impeachment. O fato é que, por conta da agenda econômica neoliberal e por fazer o ajuste fiscal mesmo com a pandemia, nos seus dois primeiros anos de governo Bolsonaro teve a complacência de poderes e líderes políticos ditos “liberais”, como Maia e o PSDB”, critica a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), uma das mais ferrenhas opositoras do governo.
LISTA DE “PRIORIDADES”
Além de afastar, ao menos por enquanto, o fantasma do impeachment, Bolsonaro vai tentar emplacar sua própria agenda no Congresso. Nesta quarta-feira (3/2), ele entregou aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira, uma lista com 35 pautas prioritárias. Justo pensar que quem tem 35 prioridades não tem nenhuma. E, como se vivesse em um Brasil imaginário, o presidente não incluiu em sua lista nada relacionado ao combate à covid-19 que vem matando mais de mil brasileiros por dia, nenhuma linha sobre uma nova leva de auxílio emergencial à população. Mas estão no rol a liberação de mineração em áreas indígenas, a flexibilização de regras para compra, porte e posse de armas, e o homeschooling (educação domiciliar).
Para o cientista político Pedro Lima, Bolsonaro não deve esperar tanta facilidade para aprovar a granel a sua agenda, sobretudo a chamada pauta de costumes. “Talvez o governo não consiga emplacar tudo que quer, passar a boiada, porque os deputados se alugam a preço alto demais. Mesmo um Parlamento majoritariamente reacionário e obscurantista põe um freio nesse ímpeto pela mera necessidade de barganhar com o Executivo”, acredita Pedro.
De fato, os primeiros sinais mostram que haverá resistência dentro do Parlamento a atos imperiais. A composição da Mesa Diretora foi um bom exemplo. Um dia depois de dissolver de canetada o bloco de apoio a seu opositor Baleia Rossi, Arthur Lira foi instado a negociar os cargos com a oposição. E a absurda indicação da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) para o comando da Comissão de Constituição e Justiça foi desaprovada até por governistas, visto que a parlamentar de extrema-direita é investigada por vários crimes (veja box abaixo).
LONGA ESTRADA
O Centrão vem de longe. O bloco foi formado durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, e desde então sempre flertou com o Poder Executivo, com uma tática de todos conhecida: apoio em troca de participação no governo e de verbas, sobretudo para as chamadas emendas parlamentares. Assim participou dos governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer.
Arthur Lira pode ser definido como Centrão-raiz. Logo em seu primeiro mandato na Câmara (2011-2015), ele fez discurso elogiando a gestão do ex-presidente Lula e dando apoio à recém-eleita Dilma Rousseff. Ainda em 2015, como presidente da CCJ e fiel escudeiro do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sócio-benemérito do Centrão, Lira iniciou os primeiros trâmites para a abertura do processo de impeachment que acabariam por derrubar o governo Dilma, em 2016.
Com a chegada — ou o retorno — do Centrão ao comando da Câmara, o caminho para o projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro em 2022 parece pavimentado. E, para que esse projeto não tenha sucesso, urge que a oposição repense a sua estratégia de enfrentamento. Para o cientista político Pedro Lima, a ideia de uma frente ampla anti-Bolsonaro, que reúna até atores da direita, parece distante. “Olhando para as eleições de 2022, o debate sobre uma frente ampla, que envolva a direita, é inócuo nesse momento. Nós não temos no Brasil hoje lideranças, grupos ou partidos do campo da direita que queiram minimamente cogitar fazer uma frente com a esquerda”, avalia.
Pedro acredita que o campo progressista tenha que buscar o entendimento para enfrentar o bolsonarismo. “Para esse campo, o que está colocado para 2022 é o que estava colocado para 2018, e não se concretizou: uma frente de esquerda. Espero que os atores da esquerda tenham a sabedoria de entender a gravidade do momento e se unam, deixando de lado as individualidades. Isso vale para o Ciro Gomes, para o Lula, para todas as lideranças de esquerda. Veja o que ocorreu na Argentina, onde Cristina Kirschner deu um passo atrás, saiu como vice e conseguiu vencer a eleição com Alberto Fernández. Essa é uma lição. Talvez dando um passo atrás se dê dois na frente mais adiante”, acredita o professor.
Já para a deputada Maria do Rosário, a resistência tem que se intensificar desde já, mesmo que a derrota na Câmara possa indicar um arrefecimento do ânimo dos opositores. “A pauta para a oposição continua sendo o impeachment e o fim desse governo. Cada dia com ele significa mais vidas perdidas, maior destruição dos serviços públicos, do meio ambiente. Cada dia é maior o fascismo. O resultado das eleições no Parlamento mostra que a oposição parlamentar não tem força para derrotá-lo sem a pressão das ruas, das redes, pressão externa. Temos que demonstrar o quanto corrupto é esse governo pois, se ele se mantiver até 2022, as eleições serão marcadas pela violência política, por ameaças e manobras. Não somos cúmplices do horror, por isso enfrentamos Bolsonaro em todas as frentes”, diz a deputada.
BOX –
Ainda aturdida pela derrota na Câmara e no Senado, a oposição terá de se articular rapidamente para enfrentar seu próximo desafio no Parlamento: a votação do Orçamento de 2021. Por meio de seu perfil no Twitter, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou nesta quinta-feira (4/2), que a Comissão Mista de Orçamento (CMO) será instalada na próxima terça-feira. Compete à comissão emitir um parecer sobre a proposta que, em seguida, vai a plenário. O tema é de vital importância para as instituições públicas de ensino superior. O Orçamento 2021 prevê um corte nas despesas “não obrigatórias” (discricionárias) dessas instituições de quase R$ 1 bilhão. Essas despesas cobrem custos com água, luz, serviços terceirizados e obras. Na UFRJ, o corte é da ordem de R$ 64 milhões.
Desde janeiro, a universidade vem sendo forçada a cortar alguns serviços terceirizados de segurança, por exemplo. A AdUFRJ e o Observatório do Conhecimento vão lançar uma nova campanha pela recomposição do orçamento das universidades. No ano passado, diante de problemas na instalação da comissão, o Congresso não votou o Orçamento de 2021. Só a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi analisada pelo plenário, sem passar pelo aval da comissão. De acordo com a Constituição, o Congresso deveria ter devolvido o texto da LDO para sanção presidencial até 22 de dezembro, mas isso não ocorreu. Com o atraso, o governo ficou autorizado a executar apenas 1/12 do montante estipulado para 2020 até que o Congresso vote novo Orçamento.
Artigo publicado pelo Jornal AdUFRJ em .05.02.2021