É preciso agir contra a destruição do mundo do trabalho

O jornal Valor trouxe esta semana uma reportagem que é um alerta à sociedade. Através da análise resultante do cruzamento dos dados da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua) com uma pesquisa da Universidade de Oxford (Inglaterra) ambas sobre o futuro do trabalho, está previsto o fim de 52 milhões de empregos nas próximas duas décadas devido ao incremento da automação no Brasil. Se de um lado a tecnologia, via de regra, oferece oportunidades de melhoria da qualidade de vida, por outro acena para modificações que impactam o sustento de milhares de pessoas. Nisso tudo, como age o governo brasileiro? Retirando direitos e proteção as trabalhadoras e trabalhadores.

 

Segundo este estudo, todas as funções têm sério risco de ficar de mãos vazias. Mas especialmente quem trabalha em postos que não exigem “originalidade e criatividade”, em geral de baixos ganhos; no entanto, contraditoriamente às tendências mundiais, os salários desses setores são tão baixos, que de acordo com os fatores políticos e econômicos em cada contexto, as máquinas serão mais custosas aos empregadores, que vão preferir manter uma massa mal paga, super explorada e sem proteção. Em qualquer sentido, trabalhadoras e trabalhadores estão postos numa bandeja, pois ou serão substituídos por computadores, aplicativos, robôs, etc, com facilidade, ou farão parte de uma subcategoria social.

 

Estas megatendências partem de observações do panorama mundial. Em alguns países, mesmo capitalistas, mas com tradições de welfare state, como Islândia e Finlândia, optou-se por articular a tendência à “tecnologização” do mercado de trabalho com estratégias para melhoria de qualidade de vida: reconversão de funções, mobilidade facilitada, moradia próxima ao trabalho, escola pública de qualidade. Realidades que se diferenciam, em muito, do que se vive hoje no Brasil.

 

Àqueles que dizerem que o mercado deve ser livre, sem “intervencionismo”, percebam que citei aqui propositalmente duas economias capitalistas.

 

Em nosso país, desde 2016, reverteu-se a tendência de garantir a proteção social e o distributivismo por um modelo ultra-neoliberal. As reformas trabalhistas de 2017 e a minirreforma de 2019 não só tiveram como foco a redução de garantias e proteção aos trabalhadores e trabalhadoras, como enfraqueceram o sistema de proteção e defesa constituído pelos sindicatos e organizações sociais.

 

Trabalho intermitente, negociação direta, entre outros, fragilizaram o potencial reivindicatório; a reforma previdenciária, agora aprovada também pelo Senado, aumenta o tempo de trabalho e de recolhimento para acesso à aposentadoria da maioria das categorias, abala em profundidade o sistema público e tem como tendência a capitalização.

 

O projeto introduzido em 2016 a partir do golpe disfarçado de impeachment, e que se aprofundou com Bolsonaro, vê a substituição de trabalhadores por máquinas como uma simples forma de elevação de lucros. É a mesma visão que acha natural rotular reservas ambientais e reservas como entraves ao desenvolvimento, fazendo parte desta lógica predatória do trabalho.

 

A financeirização da economia com a quebradeira de setores inteiros e monetização da vida se transformam hoje numa realidade drástica aos trabalhadores. Atualmente temos cerca de 38,8 milhões de pessoas que trabalham na informalidade e 11,8 milhões desempregados.

 

Daí porque o alerta de pesquisadores soa muito forte no Brasil, que deveria estar se preparando para este cenário, de modo a enfrentar a desigualdade e precarização e não o contrário como faz hoje. Pois uma tendência não é decretação de destino, mas uma sinalização do que pode advir conforme a conjuntura política e econômica de cada país.

 

Talvez não seja possível frear a tendência ao avanço das tecnologias no mundo do trabalho, sequer desejável. Mas há mecanismos legais e tecnologias sociais que podem ser incrementados, como a proteção ao trabalho, a reconversão de funções com o aumento no nível de escolaridade voltada para a ciência e a tecnologia, criação de redes de apoio que permitam a melhor divisão sexual do trabalho

 

A circulação de ideias ultrapassadas, anteriores ao Iluminismo, que negam o avanço da história e da ciência, propõe um lugar secundário às mulheres, trata trabalhadores como boçais e vagabundos, não fará, jamais, a confrontação para garantir o emprego a quem precisa.

 

Diante deste grave alerta feito pelo estudo, a reversão do quadro perverso e ameaçador a milhões de trabalhadoras e trabalhadores no Brasil nos remete à necessidade de reconstruir um projeto de desenvolvimento que articule o econômico e o social, com muita democracia e cidadania ativa. É hora de mudar.

 

Publicado em Sul 21

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial