Aprofundar desigualdades
Tramitação açodada da reforma impediu debate com a comunidade escolar e a academia
Por meio de Medida Provisória, o governo enviou ao Congresso uma reforma do Ensino Médio que passou por cima do Conselho Nacional de Educação — que construía a BNCC — e das metas e diretrizes do Plano Nacional de Educação.
A tramitação açodada impediu a participação da comunidade escolar e da academia. Enquanto estudantes ocupavam escolas em todo o país, o Legislativo se fechava para a sociedade e dava mais uma demonstração de subserviência ao Planalto. Hoje o governo defende que a reforma ampliará a possibilidade de escolha dos jovens. Nada mais distante da realidade.
Na verdade, ficará a cargo do gestor estadual definir quais dos cinco itinerários formativos serão ofertados. Para os estudantes de escolas públicas, principalmente os de cidades de pequeno e médio porte, que em geral possuem uma única escola de Ensino Médio, restarão apenas duas opções: realizar longos deslocamentos ou cursar o que for oferecido pela escola.
Essa reforma é antidemocrática pela ausência de debate, mas também porque sonegará conhecimento e ampliará desigualdades. Enquanto as escolas privadas manterão suas grades curriculares inalteradas, o ensino público sofrerá redução da carga horária dos conteúdos comuns a todos, passando de 2.400 horas para 1.800 ao longo dos três anos, e limitará os componentes curriculares obrigatórios a português, matemática e inglês.
Trata-se de política de orientação mercadológica que empobrecerá cultural e educacionalmente o currículo escolar, e imporá àqueles que não podem arcar com uma educação particular um sistema de ensino que os privará de saberes necessários para assegurar uma formação cidadã.
Estamos diante de uma fraude, que longe de superar os problemas do Ensino Médio poderá aprofundar disparidades regionais e o fosso entre o ensino público e privado, além de contribuir com a ampliação das dificuldades de acesso ao ensino superior para estudantes de baixa renda.
Uma reforma séria necessita de mais do que alterações curriculares. É preciso construir uma educação atenta aos conteúdos que, ao mesmo tempo em que dialoguem com a realidade da comunidade escolar, a tornem mais atrativa e contribuam com o enfrentamento à cultura de violência. Que assegure condições estruturais para a construção do conhecimento, como valorização dos profissionais de educação e acesso às tecnologias educacionais variadas; e também condições socioeconômicas que permitam a jovens de qualquer origem social oportunidades iguais de acesso e permanência nesta etapa do ensino.
O congelamento de investimentos públicos por 20 anos, somado às reformas trabalhista e da Previdência, vai na contramão do que precisamos. Tais medidas reduzirão a renda familiar e contribuirão para que os jovens precisem adentrar o mercado de trabalho cada vez mais cedo, interrompendo sua formação, juntamente com suas chances de construir um futuro melhor. Não é de escolha que se trata, mas de exclusão.
Maria do Rosário é deputada federal (PT-RS)
Publicado em O Globo.