A violência de Estado é a pior imoralidade em uma nação

Por Maria do Rosário*

Em 2011, trabalhei na criação do GTA para buscas dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. A lógica é que a estrutura deveria ser militar porque é só quem a possui para atuação na região, mas o comando político deveria ter o protagonismo da área de Direitos Humanos, assegurando aos familiares e a sociedade o acompanhamento e decisão sobre o trabalho. A obrigação do Estado brasileiro de responder sobre os crimes que cometeu, foi reforçada pela condenação da OEA. Fizemos isso com Nelson Jobim, que foi um Ministro da Defesa importante pra avançarmos alguns passos nesse terreno. Mas uma operação assim não é simples. Enfrenta a cultura de Estado que permanece glorificando o crime e os torturadores, mesmo com exceções louváveis dentro da vida militar.

 

A equipe de perícia do Instituto Nacional de Criminalística (PF) atuou nas buscas e identificação, escavando e pesquisando. Os laudos apontam pra dificuldades ambientais, pois a floresta é um lugar difícil de vestígios serem mantidos por tantos anos. Mesmo cemitérios urbanos e covas clandestinas da região indicam ter esse problema. Mas a principal dificuldade é de falsas ou nenhuma informação. Os moradores da região sofreram muita tortura e perseguições, suas famílias também sofrem até hoje. As pessoas falam com cuidado.
Relatos de dentro das Forças e de moradores dão conta de uma operação realizada pra apagar provas, retirando os restos mortais das vítimas de bases militares e outros locais onde haviam sido sepultadas originalmente, sem identificação. Teriam sido levados pra lugares como a Serra das Andorinhas para que fossem totalmente destruídos. A violência de Estado é a pior imoralidade em uma nação.

 

Como disse Baltazar Garzon, uma página só pode ser virada se for lida e compreendida. A sonegação de informações precisas sobre circunstâncias das mortes e sobre onde estão os corpos dos desaparecidos políticos é um crime continuado. O direito internacional dos Direitos Humanos assim o reconhece. A autoanistia não deve existir para sempre. Essa contradição em carne viva do Brasil é parte essencial dos retrocessos na democracia que vivemos hoje.

 

*Maria do Rosário é deputada federal pelo PT-RS

Publicado em: Revista Fórum

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