Revisar a Lei de Anistia é preciso
Na última segunda-feira, dia 26, o Ministério Público Federal do Rio denunciou cinco militares reformados pelo homicídio do deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971. A decisão de promover a denúncia foi reforçada a partir de provas encontradas pelo MPF no sítio do coronel Paulo Malhães, assassinado em 24 de abril. A denúncia dos assassinos de Rubens Paiva e também daqueles que realizaram o atentado no Riocentro fortalece um novo período no Brasil para complementarmos a transição a uma democracia que reconheça os princípios de Direitos Humanos.
Com todas as contradições que possamos identificar na atuação da Comissão Nacional da Verdade, o objetivo principal pelo qual sustentamos a sua necessidade e a sua aprovação pelo Congresso Nacional está sendo cumprido: envolver mais amplamente a população, sobretudo a juventude, no conhecimento das ações de uma ditadura corrupta e sem escrúpulos, inaugurada em 1964. A estruturação de comitês pela verdade, memória e justiça em todo o país e as comissões estaduais da verdade, como a do Rio de Janeiro, que mostrou ao Brasil o torturador Paulo Malhães, devem ser fortalecidas no próximo período.
Esse processo precisa aprofundar a sua capacidade de oferecer respostas objetivas às famílias de mortos e desaparecidos pollíticos sobre as circunstâncias de suas mortes e com o devido desmentido das farsas oficiais que foram compostas no período da ditadura. Familiares de desaparecidos nunca desistiram destes e têm sido o elo entre o período ditatorial e o período democrático posterior à Constituição de 1988, nos fazendo lembrar a cada dia da incompletude da democracia enquanto o Estado e seus agentes criminosos não responderem por seus atos.
Devemos reconhecer que permanece vigente no país uma cultura política não-democrática por dentro das instituições. A anistia aprovada em lei (6.683/79) ainda no período militar, em 1979, significou um sopro de liberdade diante dos Anos de Chumbo. Mas nunca houve o entendimento de que teria sido justa integralmente diante da iniciativa do Estado de incluir na lei a anistia dos seus próprios agentes torturadores e assassinos.
Como esta condição de auto-perdão do Estado pelos crimes praticados na ditadura repercute ainda nos nossos dias, a dissociação entre segurança pública e Direitos Humanos, a violência nas delegacias, o território de horrores das prisões, os desaparecimentos e sequestros realizados pelos agentes do Estado, que deveriam cumprir a lei e proteger a vida são alguns dos exemplos da herança não apenas da ditadura, mas que certamente fortaleceu-se com as suas práticas.
Não há contradições entre enfrentarmos o debate entre o passado e o presente quando temos como referência os Direitos Humanos e a democracia, incluindo as responsabilidades do Estado em preservá-la. A tortura é crime contra a humanidade ontem, hoje e sempre, condenada pelo artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela legislação brasileira, por meio da lei 9455/97.
A decisão do MPF de oferecer denúncia no caso Rubens Paiva e o pronto acolhimento pela Justiça indica que o país fortalece o caminho para a revisão da Lei de Anistia. Contribuir com este caminho é fortalecer o enfrentamento à tortura que ocorre também hoje nas instituições fechadas. Essa jornada pode contribuir muito com o Brasil, sobretudo com aqueles segmentos marcados em suas trajetórias pela violência institucional.
A continuidade de conquistas no plano dos Direitos Humanos e da construção da democracia depende de nossas escolhas nessa transição. Importantes avanços foram assegurados no último período e precisamos trabalhar pela consolidação dos mesmos.
Publicado em Brasil 247