Reforma administrativa proposta prejudica serviços públicos
Maria do Rosário (*)
A apresentação da Reforma Administrativa pelo Governo Federal esta semana prejudicará a todos, não só os servidores públicos. Ela mexerá na totalidade do serviço público, que é muito maior do que os casos isolados de privilégios que sempre são utilizados como justificativa para mudanças estruturais absolutamente controversas.
Mais de 80% do funcionalismo público é formado por professores, profissionais de saúde que atendem no SUS e policiais para garantir a segurança pública. Todos sabemos, estes não são privilegiados, em geral dão duro, assim como o conjunto do povo brasileiro e sofrem com a falta de valorização de suas carreiras e salários. O “furo é muito mais embaixo”, como se diz popularmente.
O centro da Reforma Administrativa proposta pelo governo é o fim da estabilidade do servidor público, cujos detalhes serão decididos, segundo a proposta, em momento posterior por norma regulamentadora. Ou seja, aprovar tal medida é dar um cheque em branco para Bolsonaro fazer o que bem entender com as carreiras públicas.
Podemos já imaginar as perseguições possíveis patrocinadas por aqueles que não medem esforços para acobertar investigações sobre suas famílias, a caça a professores que não terão liberdade de trabalhar conteúdos em aula ou os constrangimentos aos servidores de saúde que rejeitam as teses não comprovadas pela ciência, como a ineficaz cloroquina. Servidores públicos devem servir à cidadania e não podem ser alvos de pressão deste ou de quaisquer outros governos. Daí porque a estabilidade.
Entre as teses em voga para o tema, estão que servidores públicos não trabalham, são em número excessivo, estão acima dos processos avaliativos, custam demais ao estado.
No entanto, desde a reforma da previdência de 2019, já há 2 milhões de idosos que não conseguem de aposentar por falta de atendimento no INSS, esta que impôs perdas entre 10% e 50% das aposentadorias futuras dos funcionários públicos, retirou aposentadorias e dificultou o acesso a este direito básico.
Agora, a reforma administrativa vai contrair a capacidade do Estado Brasileiro de cumprir com seus deveres constitucionais de ofertar Saúde, Educação, Segurança e Assistência Social ao povo brasileiro. Trata-se de medida inconstitucional, portanto, e eivada pela ideologia neoliberal retrógrada e atrasada de Guedes e Bolsonaro. Estes atos não correspondem aos direitos da população e as obrigações do governo previstos na Constituição de 1988.
Vejamos a ironia: a pandemia de Covid-19 trouxe como uma das mais importantes evidências de que sem um Sistema Único de Saúde a população brasileira estaria mais abandonada se dependesse do Governo Bolsonaro. Que não gastou nem um terço do que foi liberado pelo Congresso para a Covid-19. A migração intensa de alunos da rede privada para a pública em breve mostrará o papel da escola garantida pelo Estado como uma saída para a educação de milhões de crianças, adolescentes e jovens. A universidade pública brasileira é quem desenvolve pesquisa, produz ciência e tecnologia, e foram os institutos públicos, como Fiocruz, aqueles que mais rapidamente responderam na atual pandemia que vem devastando o país.
Para quem, eventualmente, acredite que servidor público está imune a processos avaliativos, existe a avaliação periódica de desempenho, prevista há anos no país, mas falta gestão, com critérios nítidos, quando analisamos o atual governo. Ao invés de tratar o serviço público como um fator positivo, enxergá-lo como aliado na prestação de serviços à população, é visto como inimigo a ser combatido com “uma granada no bolso”. Lembram-se da frase de Paulo Guedes, na famosa reunião ministerial gravada em abril? Quem era o inimigo? O servidor público.
Não é legítimo que um governo com essa visão, e que viola frequentemente os princípios constitucionais mais elementares de impessoalidade e moralidade proponha algo tão prejudicial ao país.
É importante observar ainda que, mais uma vez, a conta cai sobre os mesmos: é uma nova punição ao servidores, que assim como toda a população, vem pagando na Reforma da Previdência. Nela, se elevou para até 22% contribuição previdenciária dos servidores e, nas regras de transição, ampliou em até 10 vezes o tempo faltante para a aposentadoria, além de configurar perdas entre 10% e 50% das aposentadorias futuras dos funcionários públicos.
Ademais, é mentirosa a alegação de que existem muitos funcionários públicos e por isso o país está em dificuldades. Enquanto no Brasil 12,1% da população é composta de funcionários públicos, na Dinamarca são 34,9%, na Grã Bretanha 23,5, na Bélgica 21,5, no Canadá 20,4, na Itália 17,3, na Alemanha 15,4, para ficar apenas nestes exemplos. A média mundial dos países filiados à OCDE é 21,3%, quase o dobro do Brasil. Tampouco as despesas de pessoal e encargos estão sob descontrole. Em 2018 foi 4,4% do PIB, exatamente o mesmo número de 1999, 20 anos atrás.
O debate está apenas no início. A proposta ainda percorrerá as duas Casas Legislativas. No entanto, vamos ficar muito vigilantes em defesa do serviço público e das servidoras e servidores, em seus justos direitos. Não entraremos na cortina de fumaça desta ou daquela contradição que tem que ser enfrentada, mas ficaremos no debate que é essencial.
Não é hora de encarar a vergonhosa posição de privilégio e taxar o sistema financeiro, as grandes fortunas, as gigantes de tecnologia e “andar de cima” da sociedade em geral? Por que impor sacrifícios à população e os servidores públicos?
(*) Deputada Federal (PT-RS)
Publicado em: Sul21