Ministra dos Direitos Humanos quer fim dos “autos de resistência”
A ministra Maria do Rosário, chefe da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, defende uma nova nomenclatura para os “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte” – termos usados por policiais para classificar mortes causadas por eles próprios. O objetivo da ministra é explicitar a violência policial no País. Leia abaixo:
Não parece casual que dois dos três policiais envolvidos no caso Cláudia sejam responsáveis por dezenas de “autos de resistência”
A violência ceifou a vida de Cláudia Silva Ferreira, uma mulher negra que trabalhava como faxineira, tinha quatro filhos e cuidava de quatro sobrinhos. Ela buscava pão quando as cenas corriqueiras da comunidade foram interrompidas por uma também conhecida ação: a troca de tiros entre a polícia e o crime.
Cláudia foi baleada e depositada no porta-malas de uma viatura policial, posteriormente sendo arrastada por 250 metros em uma avenida. O horror desses momentos e o tratamento perverso que recebeu da força policial fazem com que a violação de seus direitos represente a falência de práticas que permeiam as instituições do Estado ao desrespeitarem flagrantemente a legalidade.
Apesar dos ataques que os defensores de direitos humanos sofrem, são precisamente de mais direitos humanos que necessitamos para darmos um basta a situações perversas como as que atingiram Cláudia, Amarildo e tantos outros, inclusive policiais. Não esqueçamos que no mesmo Rio de Janeiro onde Cláudia morava 21 policiais foram mortos em serviço entre 2012 e 2013. Eles também tinham nomes, famílias e filhos.
O governo federal e os Estados estão desafiados a fortalecerem a cooperação para formação adequada das forças de segurança. Não interessa restringirmos o debate ao conflito ente policiais e bandidos. O que uma sociedade civilizada pede é uma discussão sobre a elevação da qualidade da segurança pública. Precisamos aprimorar experiências de pacificação como as UPPs, mesmo com suas contradições.
Com o objetivo de orientar essa parceria, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que completou meio século de existência, recomendou o fim do uso dos termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” nos registros policiais. Sobre casos assim registrados não há investigação, uma vez que se pressupõe que a morte foi resultado da legítima defesa do agente de segurança.
Entre janeiro de 2010 e junho 2012, em apenas quatro Estados, cerca de 3.000 pessoas foram mortas após intervenção policial, em sua maioria contabilizadas como “autos de resistência”. Não parece casual que, segundo a imprensa, dois dos três policiais envolvidos no caso Cláudia sejam responsáveis por dezenas de “autos de resistência”.
A sugestão é que esses termos sejam substituídos por “lesão corporal/homicídio decorrente de intervenção policial”. Com a alteração, os fatos deverão ser noticiados à Delegacia de Crimes Contra a Pessoa e a perícia técnica passa a ser obrigatória antes que o corpo seja removido. A medida enfrenta a violência policial e resgata o bom trabalho dos policiais, pois toda a vez que separamos a má atitude de um profissional, estamos valorizando a boa atitude dos demais. Algumas unidades federativas já aderiram às recomendações e reduziram o índice de homicídios, inclusive de policiais.
Para quem ainda insiste em reduzir a discussão sobre direitos humanos, esclarecemos: a defesa da vida é o que nos norteia. Não temos compromisso com assassinatos, tortura, sequestro, legados infelizes da ditadura. Essas práticas persistem porque a cultura autoritária ainda não foi superada. Será superada quando a população compreender que não deve prevalecer a Lei de Talião nem os justiçamentos, mas sim os direitos humanos para todas as Cláudias, para todos os Amarildos e para todos os seres humanos.
Por Brasil 247
Publicado em Revista Fórum