Fortalecimento da democracia representativa
Maria do Rosário e Guilherme de Queiroz Stein*
Assolados por uma grave crise de legitimidade e confiança, diversos partidos brasileiros tem procurado alterar seus nomes como uma tentativa de recuperar sua credibilidade. Assim, o PFL tornou-se DEM, o PTN de Jânio Quadros foi rebatizado como ‘Podemos’, o PT do B passou a ser Avante e, mais recentemente, assistimos o PMDB de Temer, Jucá, Geddel e companhia voltar a se chamar MDB.
Não nos esqueçamos de incluir também o PP de Maluf, anteriormente PPB, PDS e ARENA, agora Progressistas.
Vetar essas práticas é necessário para fortalecer a democracia no País.
O objetivo de qualquer princípio constitucional ou lei que regulamente a competição política é evitar a arbitrariedade e favorecer a representatividade dos cidadãos na gestão da coisa pública.
Para tanto, as regras que delimitam o jogo político devem favorecer que os cidadãos tenham acesso a informações de qualidade com base na qual tomem a decisão de votar.
O nome do partido carrega a reputação deste, seu histórico de fracasso ou sucesso na gestão pública, de comportamento ético ou de desvios e de posicionamentos ideológicos.
Dessa forma, é um parâmetro informacional importante, que quando alterado pode causar distorções, afetando o funcionamento do sistema democrático.
É preciso relembrar que nenhuma liberdade democrática é absoluta. A liberdade de organização partidária possui limites, os quais são fundamentais ao próprio funcionamento do sistema democrático, observados princípios republicanos de cidadania.
Exemplos não faltam de como esses limites são necessários.
Basta pensar no caso de um partido decidir organizar um departamento de logística para transportar eleitores no dia das eleições.
Alguém teria alguma dúvida de que este partido estaria cometendo crime eleitoral? Claro que sempre haveria alguém que inocentemente afirmaria que simplesmente está se usufruindo de sua liberdade de organização partidária. Não há garantias de que a mera mudança de nome seja capaz de promover, conjuntamente, mudanças reais nas práticas, de dirigentes (oligarquias) ou mesmo nas ideias que orientam as ações partidárias.
A aposta na mudança de nomes, como se tem assistido, é apenas marqueteira, visando à conquista do poder através da distorção das informações com as quais os cidadãos decidem em quem votar.
Muda-se o reboco, troca-se a máscara, mas o lobo por baixo da nova pele de cordeiro ainda é o mesmo. Aquela agremiação partidária realmente interessada em mudar sua reputação frente aos cidadãos deve optar por qual caminho? O fácil e superficial ou então arregaçar as mangas e por mãos a obra para melhorar a imagem de seu partido por meio da renovação de dirigentes e a atualização das ideias partidárias de modo a se tornarem mais consentâneos com os valores da população?
A resposta é evidente.
Mudanças efetivas são tarefas mais difíceis – e provavelmente não desejadas por aqueles que preferem simplesmente alterar o nome da agremiação.
Mudar o nome do partido nada mais é que um ardil que aposta na pouca memória do eleitorado.
Em um contexto de proliferação de partidos como no caso brasileiro, tal expediente mais grave se torna. E isso não é por acaso.
Os ‘ideólogos’ das mudanças de nome sabem que os partidos constroem reputações junto ao eleitorado, que, boas ou más, são importantes na hora da decisão do voto.
Se assim não fosse, por que sugeririam mudança na denominação? Mesmo que muitos digam que votam em candidatos e não em partidos, não é raro encontrar eleitores que recusam determinados políticos por causa de sua legenda partidária.
Esse movimento em parte justifica a própria existência dos partidos. Recusar ou aderir a determinados políticos por seus partidos é um forma importante para os eleitores elegerem aqueles que melhor os representa. Prática perfeitamente democrática.
Na impossibilidade de uma democracia exclusivamente direta, a ideia de representação política depende da mediação partidária.
Os partidos políticos são essenciais à democracia, pois cumprem uma missão básica na democracia representativa, isto é, buscam aproximar aqueles que comungam de ideias políticas para que possam ser uma alternativa de representação junto ao cidadão que opta por participar das decisões da polis por meio do voto.
Neste contexto, mudar de nome e manter todo o resto, nada mais é que um subterfúgio de oligarquias partidárias com vistas a se esquivar do que realmente importa: fugir da prestação de contas (accountability) junto ao eleitor.
Sabe-se que partidos são controlados por elites partidárias. No momento das eleições mais do que seu filiado ou militante, o eleitor tem a oportunidade de aprovar ou reprovar a conduta dessas elites.
Não é exagerado dizer que as elites partidárias é que estão sob o crivo do público. Por isso a tática agora encontrada por determinadas legendas é mudar de nome.
Tal prática não é outra senão uma maneira de tentar preservar estas elites partidárias com uma nova roupagem e distorcer as informações que lavariam a escolhas eleitorais mais eficientes. Prática que não deixa de ser corolário do velho conservadorismo brasileiro: mudar para manter tudo como está.
Preocupados com este cenário, propusemos um projeto de lei em coautoria com deputado Betinho Gomes (PSDB-PE). Trata-se do projeto de lei nº 8546/2017.
Esta proposição proíbe a mudança de nomes de partidos, exceto em caso de fusão ou incorporação partidária. Explica-se: nestes casos há de fato uma mudança que atinge a estrutura e a cúpula partidária que torna razoável a aceitação da alteração do nome das legendas.
Espera-se com a proposta fortalecer o sistema partidário brasileiro ao criar um obstáculo que ultimamente contribui para a obliteração de uma das principais características de uma democracia representativa: a prestação de contas dos políticos junto ao eleitorado.
*Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS) e Guilherme de Queiroz Stein, economista e cientista social
Publicado em: Estadão