DITADURA PODE SE RESPONSABILIZAR PELA MORTE DE JANGO, DIZ MINISTRA
No dia 13 de novembro, o processo de exumação levado a cabo por peritos brasileiros e estrangeiros poderá modificar o que hoje se tem por verdade sobre a morte do ex-presidente João Goulart. A hipótese de assassinato em meio às perseguições da Operação Condor, defendida por alguns desde a morte de Jango, em 6 de dezembro de 1976, agora enfrenta a prova técnica. Na noite desta segunda-feira (4), a Câmara de Vereadores de Porto Alegre sediou uma audiência pública sobre a exumação.
Na opinião da ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, presente no encontro, os trabalhos terão importância mesmo que apontem para resultados inconclusivos – desfecho possível em função do tempo transcorrido desde a morte e as condições do túmulo. “Se o exame for inconclusivo, as amostras que serão analisadas devem ser guardadas para que outras tecnologias avaliem futuramente. Se for conclusivo e não apontar o assassinato, não poderemos descartar a responsabilidade da ditadura na perseguição a João Goulart no exílio”, afirmou a ministra.
Segundo Cristopher Goulart, neto de Jango e militante do PDT gaúcho, a exumação já tem boa parte dos detalhes bem encaminhados. No dia 14 de novembro, os restos mortais de João Goulart devem partir para Brasília, onde ocorrerá o processo de análise. “Vocês (da imprensa) não esperem uma apresentação pública. Todos os procedimentos serão realizados de forma privada, nós não queremos fazer um procedimento invasivo”, afirmou Maria do Rosário.
Para Cristopher, as versões que apontavam a perseguição da ditadura – e mesmo a possibilidade de envenenamento – do presidente deposto em 1964 eram comentadas desde os anos 1970. “Eu nasci no exílio e durante toda a minha vida ouvi sobre essas suspeitas. O que acontece é que até 1985 não havia nenhuma política no Brasil para apurar esta situação. Não havia interesse do Estado em entrar neste assunto”, disse em entrevista ao Sul21. Na opinião do neto de Jango, a ditadura pode ter cometido dois assassinatos no caso de Goulart – o físico, que pôs fim à vida, e o político, que o levou ao exílio e impediu o seu retorno ao Brasil.
“Este é o momento certo para se fazer, hoje temos as condições políticas e de tecnologia. Não é que tenha ficado tarde demais”, apontou o pedetista. Para Maria do Rosário, no entanto, o Brasil poderia ter desvendado o tema há mais tempo. “As condições políticas já estavam dadas anteriormente, mas antes não tínhamos a Comissão Nacional da Verdade”, opinou a ministra. Maria do Rosário lembra que a família Goulart busca esclarecer a morte de Jango há tempos – e precisamente desde 2011 na Secretaria de Direitos Humanos.
A audiência pública reuniu representantes do PDT, como o ex-governador Alceu Collares, o prefeito de Porto Alegre José Fortunati, o secretário do governo do estado Afonso Motta e o presidente da legenda no Rio Grande do Sul, Romildo Bolzan. Mas foi a presença de Waldir Pires, Consultor-Geral da República no mandato de Jango e atualmente vereador em Salvador, que trouxe o depoimento mais próximo do ex-presidente para o encontro. Pires exilou-se com João Goulart no Uruguai após o golpe de 1964 e depois partiu para a França, onde lecionou nas faculdades de Direito de Dijon e de Paris.
“Passei 1964 e parte de 1965 no exílio com João Goulart, no Uruguai, mas depois disse a ele que não poderia ficar. É uma angústia ficar no exílio sem trabalho, então fui para a Europa e pude trabalhar”, contou Pires. Para o vereador do PT baiano, Jango foi vítima de campanhas da imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo durante grande parte da sua vida política. “Foi feito um terrível esforço para derrubar Jango – pelos donos do poder e, sobretudo, pela mídia. Mentiam que ele não tinha calor humano, mas ele tinha materialmente as provas contrárias, que a mídia suprimia. João Goulart fez quinhentos mil votos a mais do que Juscelino Kubitschek e dois milhões a mais do que Milton Campos”, conta Waldir.
A exumação de Jango irá reunir, a partir dos próximos dias, peritos de Brasil, Argentina, Cuba e Uruguai, mobilizará São Borja, a cidade natal do ex-presidente e, por algumas semanas, deixará boa parte das hipóteses em suspenso. Para Cristopher Goulart, para qualquer que seja o resultado deste processo, “a exumação não isenta a perseguição que a ditadura fez durante o exílio”. “Existem condenações penais com muito menos indícios do que temos neste processo, fora o que já se sabe sobre a Operação Condor”, contra Cristopher.
Iuri Müller – Sul21
Publicado em Brasil 247