Brasil do golpe não é Brasil das mulheres
O primeiro dia de 2011 parecia inaugurar um novo período na história da vida das mulheres brasileiras. Pela primeira vez uma de nós assumia a Presidência da República e compunha o ministério com maior representatividade de gênero de todos os tempos. O que em termos simbólico já seria um grande avanço refletiu-se ainda em políticas que contribuíram para a emancipação de mulheres por meio do enfrentamento à violência doméstica e da promoção da autonomia financeira.
Hoje, pouco tempo depois deste período em que avanços eram construídos, mas tanto ainda estava por fazer, nos deparamos com o retorno à “idade das trevas” no Legislativo, e um profundo descaso do Executivo.
Dentro do Congresso Nacional os mais atrozes ataques aos direitos das mulheres tramitam, e o inimaginável sempre tem lugar quando o objetivo é calar nossas vozes e guiar nossos corpos. Um dos melhores exemplos disso é a conversão de uma Proposta de Emenda Constitucional que visava assegurar maior tempo de licença maternidade para mães de bebês prematuros em um texto que pode impedir o aborto em caso de estupro, risco da vida da mãe ou anencefalia, e até mesmo a pílula do dia seguinte.
No Executivo não é diferente. O legado de Temer para as mulheres é um corte de verbas de políticas voltadas à promoção da igualdade de gênero que, de acordo com a previsão orçamentária de 2018, chegará a 80% em relação ao último ano de Dilma à frente da Presidência. Medida que transforma as políticas de atendimento às mulheres em situação de violência, e de incentivo a autonomia em meros resquícios do que outrora foram.
Considerando a transversalidade das políticas voltadas para as mulheres, estas sofrem ainda quando os recursos à saúde são reduzidos, não há merenda na escola, e as políticas de assistência social são completamente desmontadas. O melhor exemplo desse estado de coisas é a redução drástica e injustificável dos recursos destinados ao programa Bolsa Família.
Há anos a priorização do recebimento deste benefício por parte das mulheres vinha permitindo que aquelas que se encontravam em maior situação de vulnerabilidade social, muitas em contexto de violência, tivessem o mínimo necessário para assegurar que seus filhos e filhas pudessem ter como se alimentar. Era assim que abriam uma fresta para construir sua própria liberdade, razão pela qual ao deixarem de receber o benefício tem também a construção de qualquer autonomia solapada.
Assim, o Brasil trilha o caminho de volta ao Mapa da Fome, rouba o futuro de milhões de crianças ao arremessá-las na pobreza extrema, bem como o dessas mulheres, a quem não resta alternativa frente ao trabalho exaustivo e mal remunerado, e inúmeras vezes, à violência, da qual agora não terão mais possibilidades materiais de se desvencilhar. O Brasil do golpe definitivamente não é o Brasil das mulheres.
(*) Maria do Rosário é deputada federal (PT-RS)
*Postado originalmente em Sul 21.