Temer não será presidente, sempre será um golpista!
Maria do Rosário Nunes*
Em junho de 2012 o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, foi destituído. Após um processo que durou dois dias, e precisou apenas dos votos de 76 deputados e 39 senadores conspiradores para se consumar, o presidente progressista eleito foi apartado de seu cargo. O Paraguai foi afastado do Mercosul, mas aos poucos a normalidade retornou às relações no Cone Sul, como se um golpe não tivesse sido consumado contra nossos vizinhos.
Se nas décadas de 1960 e 1970 os golpes na América Latina por vezes tinham tanques nas ruas, – nem todos se deram desta maneira -, os do século XXI são de outra natureza. Não menos nocivos, ilegítimos e articulados internacionalmente, estes se revestem de roupagem legalista. Liderados por civis, apelam a formatos constitucionais, mantendo uma fachada institucional.
A intentona fracassada promovida contra Hugo Chávez na Venezuela em 2002, tratou-se de um tipo de golpe intermediário, distinto dos de outrora, mas também dos que viriam. Chávez foi preso, mas os militares não tomaram as ruas, o governo do golpista Carmona foi rapidamente reconhecido por Estados Unidos e Espanha, mas suas ações, dentre essas: a dissolução do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal, e a eliminação de 48 leis, escancararam o golpe internacionalmente e deram força para os partidários do governo eleito retomarem o poder.
Em 11 de maio de 2016 um novo capítulo dessa vergonhosa história foi escrito, sabemos, porém, que tal como ocorreu com o povo venezuelano, não nos faltará a resistência que é também característica da nossa gente.
Neste triste dia a presidenta eleita pelo voto popular sofreu o segundo ato de um processo golpista, foi afastada de suas funções pelo Senado Federal. Sem ter cometido crime de responsabilidade. Dilma Rousseff, que na sua juventude resistiu e lutou contra a ditadura civil-militar de 1964, poderá ser golpeada por uma ação política-jurídica-midiática que tem como objetivo, tal como nos outros casos aqui citados, apartar do poder aqueles e aquelas que incomodam a ordem instituída.
Chávez significou o fim de quatro décadas do pacto de revezamento no poder entre os partidos do status quo na Venezuela; Lugo encerrou um período de domínio de 61 anos da direita paraguaia representada pelo partido Colorado; Zelaya candidato eleito pelo conservador Partido Liberal de Honduras, aderiu à ALBA, e promoveu reformas econômicas e sociais consideradas de esquerda, levando-o a perder o apoio da elite hondurenha; Lula e Dilma juntos significaram 13 anos de governo da esquerda, após 500 anos de domínio das elites que nos colonizaram, escravizaram, e espoliaram ao longo de toda a nossa história.
Os governos progressistas iniciados a partir da vitória do Partido dos Trabalhadores em 2002, tiraram milhões da miséria; colocaram os filhos e filhas da classe trabalhadora, de todas as cores, todas as etnias, para dividir as salas de aulas com os que durante séculos foram os únicos a ocupar os bancos das universidades; deram sobretudo dignidade e oportunidade para o povo brasileiro, e mesmo sem terem logrado em fazer as reformas estruturais tão necessárias, incomodaram o andar de cima.
Após a quarta vitória eleitoral seguida, e diante do aprofundamento dos efeitos da crise econômica internacional, as aves de rapina de plantão se articularam para inviabilizar o governo Dilma. Sabedores dos nítidos limites da política em que todos ganham, pobres e ricos, em tempos de escassez, optaram por golpear a democracia a correr o risco de perder parte dos seus privilégios.
Tal como em todos os casos que fizemos referência, o afastamento de Dilma não se deu por corrupção, endêmica em nosso país, mas da qual a presidenta jamais foi acusada, ou qualquer outro crime comprovadamente cometido por ela. Trata-se de uma conspiração que envolve o capital financeiro internacional, o empresariado nacional, ruralistas, a mídia hegemônica e oligopolizada, e as classes mais abastadas, inconformadas com a ascensão social de muitos que lhe tirou o quase sádico prazer da distinção. Setores amplamente representados em um Congresso Nacional cuja composição responde mais aos donos das cifras recebidas em suas campanhas do que ao povo que deveriam representar.
A ausência de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o afastamento de Eduardo Cunha antes da sessão da Câmara dos Deputados que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment, e o posicionamento de Teori Zavascki, durante o andamento da sessão que debateu a abertura do processo de impedimento no Senado, tratam-se de duas faces de um mesmo golpe, de uma tentativa de legitimá-lo. Tal apelo a uma legalidade profundamente ideológica disfarçada de imparcialidade, só teria sucesso caso não existissem setores organizados que disputassem essa narrativa, mas nós existimos e resistimos.
Não é difícil percebermos a repressão que já está em curso e a criminalização dos movimentos sociais, hoje tendo origem em governos estaduais defensores do golpismo, mas há também uma resposta das ruas, há luta. Da Câmara dos Deputados ecoaremos a voz dos movimentos sociais, da resistência contra o golpismo, seguiremos ao lado daqueles e daquelas que lutarão para o reestabelecimento da democracia.
Governos ilegítimos não produzem estabilidade, e dão origem a legítima desobediência civil. Temer não será presidente, sempre será um golpista. Caso o golpe seja consumado, não reconheceremos um governo fruto de usurpação e que tem como objetivo usurpar também os direitos e conquistas do povo brasileiro.
Desde já, mesmo neste momento em que o último ato do golpe não foi consumado, manifesto meu reconhecimento ao valor e generosidade dos movimentos sociais e suas lideranças, que em que pesem as críticas ao governo em vários aspectos, não vacilaram um minuto em defender o Estado Democrático de Direito. Demonstram assim o apego do povo à democracia, e sublinham a falta de caráter das elites políticas e econômicas tradicionais no Brasil.
Maria do Rosário Nunes, Deputada Federal (PT/RS) *
Publicado na Carta Maior