Maria do Rosário sobre afastamento de Cunha: “Por que só agora?”
Por Maria do Rosário Nunes*
Hoje tivemos uma grande vitória. Meses após denunciarmos diariamente os crimes de Eduardo Cunha, a quebra de decoro cometida por ele ao mentir sobre suas contas no exterior em depoimento na CPI da Petrobras, finalmente o ex-presidente da Câmara foi afastado do seu mandato parlamentar.
Trata-se de vitória do povo brasileiro; dos trabalhadores e trabalhadoras; das mulheres; LGBTs; da juventude, em especial a negra e periférica; dos indígenas e quilombolas, setores da sociedade duramente perseguidos por seus mandos e desmandos à frente desta Casa. Há que se comemorar, o que não podemos fazer é deixar que o sucesso de uma luta justa e necessária nuble a nossa visão.
É preciso que nos questionemos: por que só agora? Afinal, dissemos em alto e bom som que um criminoso, alguém que abriu um pedido de impeachment por vingança, não tinha legitimidade para conduzir este ou qualquer outro processo na Câmara, e fomos ignorados. Enquanto isso, suas manobras seguiram no Conselho de Ética da Câmara sem que o judiciário tomasse uma decisão sobre uma ação de dezembro de 2015.
Sobre Cunha, hoje o ministro Teori afirmou que este “não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República”.
No entanto, Cunha não é indigno apenas das responsabilidades do cargo da Presidência da República, é indigno da Presidência da Câmara, do mandato que lhe foi concedido pela população para representá-los, e utilizado para enriquecer ilicitamente e praticar crimes de distintas naturezas sem pudor algum.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot qualificou Eduardo Cunha como “delinquente” e listou 11 situações que comprovariam o uso do seu cargo para obstruir a justiça. São elas:
1. Requerimentos feitos por aliados de Eduardo Cunha, como a ex-deputada Solange Almeida, para pressionar pagamento de propina da Mitsui;
2. Requerimentos e convocações feitos na Câmara a fim de pressionar donos do grupo Schahin;
3. Convocação da advogada Beatriz Catta Preta à CPI da Petrobras para “intimidar quem ousou contrariar seus interesses”;
4. Contratação da empresa de espionagem Kroll pela CPI da Petrobras, “empresa de investigação financeira com atuação controvertida no Brasil”;
5. Utilização da CPI da Petrobras para pressão sobre Grupo Schahin e convocação de parentes do doleiro Alberto Youssef;
6. Abuso de poder, com a finalidade de afastar a aplicação da lei, para impedir que um colaborador corrija ou acrescente informações em depoimentos já prestados;
7. Retaliação aos que contrariam seus interesses, caso da demissão do ex-diretor de informática da Câmara que revelou a autoria de requerimentos feitos por aliados de Cunha;
8. Recebimento de vantagens indevidas para aprovar medida provisória de interesse do banco BTG, de André Esteves;
9. “Manobras espúrias” para evitar investigação no Conselho de Ética Câmara, com obstrução da pauta com intuito de se beneficiar;
10. Ameaças ao deputado Fausto Pinato (PRB-SP), ex-relator do seu processo de cassação;
11. Novas ameaças e oferta de propina ao ex-relator Pinato.
Com o poder que lhe foi conferido ao assumir o mais alto cargo da Câmara dos Deputados, suas ações acarretaram efeitos que afetaram a todos e, ainda assim, só agora a Corte Constitucional ouviu os deputados, os juristas e as ruas, depois que um facínora colocou toda uma nação de joelhos.
Após as enfáticas declarações de Teori e Janot pergunto mais uma vez: por que só agora? Tal como Lacerda no golpe de 1964, Cunha fez o serviço sujo, mas é incontrolável, logo precisa ser descartado. Alguns jornais registraram o alívio de Temer diante da cassação do seu nada inocente e bastante útil aliado, compreendemos seu alívio, quer mais uma roupagem de legitimidade para o seu golpe. Não nos enganarão, um novo presidente da Câmara mais “limpo” não fará com que este processo deixe de ser o que é: um golpe.
Tirar Cunha da Câmara é muito, mas ainda é pouco diante de tudo o que ele fez com esse país.Assim, diante da decisão do STF, é preciso que a sessão que aprovou a admissibilidade do impedimento seja anulada. Afirmamos que Cunha deve ser cassado, mas que a perda do seu mandato não deve servir para abafar as investigações da Lava Jato, ou para avalizar uma perseguição política e discricionária contra aqueles que, diferente dele, não cometeram malfeitos.
Cunha, seu lugar não é aqui!
*Maria do Rosário Nunes é deputada federal (PT/RS)
Publicado em Revista Fórum055