Carta ao soldado Cleber
Prezado soldado Cleber,
Dias atrás você flagrou um adolescente furtando um carro pela quarta vez em pouco mais de um mês e expôs, na rede social, um depoimento que pode ser considerado um desabafo. Um desabafo frente a um cotidiano de violências enfrentado por ti, por teus colegas e pela sociedade como um todo.
Em determinado momento, citas o meu nome como o de alguém que ajudaria a proteger esse adolescente em conflito com a Lei e, em tese, promover situações de insegurança. Confesso que em um primeiro olhar, em contato com o vídeo, tive um sentimento de profunda indignação, visto que são inverídicas as afirmações que você faz. Após alguns instantes, percebi que eu e você sofremos com um conjunto de rótulos, pressões e cobranças que nos incomodam, que nos fazem sentir injustiçados. Assim, optei por dialogar com você.
Durante toda a minha trajetória jamais pactuei com a violência ou com práticas criminosas, venham de onde vierem. Por isso, desde já quero parabenizá-lo pelo cumprimento das tuas responsabilidades como policial militar, agindo no combate ao crime. Sei que o seu cotidiano também é permeado pela exposição à violência e que diariamente trabalhadores da segurança pública sofrem atentados contra a própria vida. Inclusive, em 2014, apresentei o PL 7478, que aumenta a pena nos crimes de homicídio e lesão corporal quando praticados contra agentes públicos, em especial, policiais civis e militares. Esse projeto foi apensado ao PL 846/2015, aprovado e já é Lei, de número 13.142, de 6 de julho de 2015.
Veja, não sou “defensora de bandidos”, calúnia recorrente em postagens falsas e mal-intencionadas nas redes sociais contra mim. É o tipo de afirmação que não tem nenhuma base na realidade (nos últimos anos apresentei nove projetos na área da segurança pública – nenhum beneficia infratores), que são promovidos pelo submundo do conservadorismo.
Sempre defendi o rigor da Lei, o respeito à dignidade e ao valor de cada pessoa. Defendi e defendo a valorização de vocês, policiais, para que tenham condições dignas de exercício da profissão em acordo com a Constituição Brasileira.
Talvez essa percepção que você expressa no vídeo tenha decorrência do meu posicionamento contrário à redução da maioridade penal. Cleber, não há dúvida de que a prisão reiterada de adolescentes envolvidos em delitos seja frustrante para a polícia e para a comunidade. Mas ambos sabemos que reduzir a maioridade penal para 16 anos não resolveria os problemas da segurança pública no Brasil. Você que conhece o modo de operação das organizações criminosas de perto, por enfrentá-las, sabe que elas começariam a “recrutar” adolescentes cada vez mais jovens. Além disso, o nível de reincidência no sistema sócio educativo é infinitamente menor que no sistema prisional.
Esses fatos com os quais você convive, como a repetição da criminalidade por um mesmo indivíduo, devem servir de alerta ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e aos Poderes Executivos de todas as esferas, além da sociedade, para formar um verdadeiro pacto por outra segurança pública, já que a que temos, não está dando certo. O que temos hoje é o quarto país que mais prende no mundo e mesmo assim a violência cresce. O que temos hoje são polícias mal remuneradas e com pouco recursos para aquisição de equipamentos e treinamento. O que temos hoje é a proliferação de conflitos de toda a ordem e a perda do sentido de comunidade em nossas grandes e médias cidades. O que temos hoje são índices inéditos de homicídios, além de outros atentados contra a vida.
Meu desejo é que possamos trabalhar juntos. Eu, você, trabalhadores em segurança pública, sociedade, representações institucionais, para que possamos dialogar, ouvir um ao outro, pensar e propor soluções. Não somos inimigos, eu e você. Sou a única professora e a única mulher entre os deputados federais gaúchos. Sou uma das poucas em todo o Congresso Nacional que enfrenta a violência sexual contra crianças e adolescentes, que debate política para a pessoa idosa, que trabalha o tema de gênero e sua proteção. Desenvolvo trabalhos importantes, assim como você, soldado Cleber, e acho injusto que não possamos dialogar, preferindo os rótulos equivocados que nos impõem.
Um fraterno abraço,
Maria do Rosário