Um pacote contra a sociedade

1. Nesta semana o Governo Sartori deu mais um passo no que ele chamou de “modernização da estrutura do estado”. A apresentação das medidas que extinguem órgãos públicos e demitem servidores deu-se em clima de regozijo com palmas de secretários e empresários. Não vemos motivo para aplausos, ao contrário. O governo tomou a decisão de reformar a estrutura do Estado retirando direitos de servidores, precarizando serviços para a população e jogando no lixo empresas, fundações e órgãos públicos que foram construídos a muito custo pelo nosso povo.

2. É impossível não ressaltar o aspecto desumano da proposta. Se aprovadas pela Assembleia Legislativa, as medidas do Governo Sartori ocasionarão entre 1,1 mil a 1,2 mil demissões, impactando famílias e o mercado de trabalho que verá crescer o número de desempregados, sem que haja um crescimento proporcional de investimento na área social. Além disso, ocorrerá o desmonte de uma série de direitos dos atuais servidores, como o fim de licenças-prêmio, 13º pago até novembro do ano seguinte, salários honrados apenas no 20º dia útil, fim de adicionais por tempo de serviço, aumento da contribuição previdenciária, fim da remuneração para trabalhadores que estão nos sindicatos – implodindo a representação classista e minando a resistência do funcionalismo a futuros desmontes –, e uma série de outras maldades.

3. Tão grave quanto é a possibilidade de privatização de uma série de empresas públicas, em especial a CEEE. Além de um crime contra o patrimônio do Rio Grande do Sul, isso possibilita um verdadeiro assalto ao bolso dos gaúchos e gaúchas. Alguém já viu o que aconteceu com as tarifas de energia na Argentina, após a vitória de Macri? Porque na cidade de Berlim existe um forte movimento para reestatização do fornecimento da energia elétrica? Ou melhor, para mostrar um exemplo local: você está satisfeito com o serviço prestado por sua operadora de telefonia móvel? O sinal de internet é adequado? A tarifa é justa ou alta demais? Você é bem atendido? Tens onde reclamar quando um problema surge e recebe atenção? O serviço de atendimento eletrônico resolve seus problemas? Você está satisfeito?

4. Aliás desde que assumiu o governador Sartori vem atacando os direitos dos trabalhadores e tentando entregar o patrimônio público à iniciativa privada. Já em 2015 o governo encaminhou à Assembleia Legislativa projeto prevendo a extinção das Fundações Zoobotânica (FZB), Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) e de Esporte e Lazer (Fundergs). A Fundergs foi extinta ao final do ano que passou, colocando um ponto final nas poucas oportunidades de lazer e esporte para jovens e adolescentes no Rio Grande do Sul, a partir de modalidades múltiplas e diversas, sem a imposição das práticas esportivas com maior sucesso comercial.

5. Quanto a extinção da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) e da Fundação Zoobotânica do RS (FZB), os Projetos de Lei que foram encaminhados à Assembleia Legislativa (PL 301 e PL 300/2015) tiveram o regime de urgência retirado pelo governador, que sentiu a contrariedade da população, mobilizada para defender estas fundações. Contudo, tais projetos voltam agora a tramitar na Assembleia, acrescidos de outras propostas ainda mais graves para a população.

6. A extinção da Fundação Zoobotânica representará ao Estado uma volta às trevas no que se refere ao conhecimento da nossa biodiversidade. A Fundação é composta por órgãos reconhecidos nacionalmente, como o Museu de Ciências Naturais, o Jardim Botânico e o Parque Zoológico, ou seja, toda a memória da nossa biodiversidade estaria ameaçada com a extinção desse órgão. O Museu de Ciências Naturais é Fiel Depositário de Componentes do Patrimônio Genético, sendo uma das poucas instituições no Brasil credenciadas pelo Conselho do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, mantendo por volta de 400.000 registros de plantas e animais tombados em suas coleções científicas, sendo a base de conhecimento da biodiversidade gaúcha. Com a proposta de extinção de Sartori, todo esse patrimônio genético poderá ser perdido. No ano de 2014, a FZB foi responsável pela coordenação, elaboração e publicação dos Decretos relativos às Listas de espécies ameaçadas de plantas nativas (804 espécies) e animais silvestres (280 espécies), além de se dedicar para os planos de conservação ex situ e in situ destas e de outras tantas espécies que correm risco crescente de ameaça de extinção. Cabe lembrar que para a conservação deste total de 1084 espécies ameaçadas, necessitam-se de estudos de biologia e ecologia, considerando-se que mais de 95% destas ainda não dispõem de mínimos conhecimentos suficientes para programas de conservação efetiva. Sem a FZB, ficaremos profundamente desfalcados e comprometeremos qualquer caminho pelo desenvolvimento sustentável no Rio Grande do Sul.

7. Já a Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) desenvolve funções exclusivas para a saúde pública do Estado como o controle epidemiológico, o gerenciamento das doações de sangue e realização de exames de DNA, dentre outros serviços. Os prejuízos também serão enormes e lembremos que a Fepps é referência no atendimento a pacientes com hemofilia, através do Hemocentro do Estado (Hemorgs) e da Hemorrede Pública (rede de hemocentros). Além disso, a Fundação realiza exames de paternidade para crianças de famílias de baixa renda. Segundo a Defensoria Pública do Estado, cada exame de DNA realizado pela FEPPS representa menos cinco ações que ingressariam no Poder Judiciário. Sobretudo, é o Estado garantindo um serviço como direito dos que precisam. A extinção da FEPPS também coloca em risco o trabalho realizado pelo Laboratório Central do RS que realiza análises de resíduos de agrotóxicos em alimentos, hepatites virais, HIV, tuberculose, cólera, dengue, febre amarela, leptospirose, H1N1, infecções hospitalares, análise de águas, medicamentos, leite, entre outros.

8. Diante desse quadro, podemos afirmar que a extinção das fundações estaduais representará um enorme atraso para o estado. É o tipo da “economia equivocada”, que no futuro custará caro pois obrigará o próprio Estado a contratar serviços externos para atendimento da população e das políticas que ficarão desassistidas. Isso sem falar no retrocesso aos servidores públicos, que deveriam receber todo o respeito e consideração. Com Tarso, houve um grande esforço no sentido de recuperar o contingente humano, principalmente após grande volume de aposentadorias, realização de concursos públicos, aprovações de Plano de Empregos, Funções e Salários, entre outros avanços possíveis dentro da realidade financeira do RS. Hoje, com a possibilidade de extinção de Fundações pelo governo Sartori, teríamos a consequente demissão de centenas de funcionários altamente gabaritados e de conhecimento notório em suas áreas.

9. Falando em planejamento e qualificação da gestão do Estado, como pensar nestes importantes elementos sem a Fundação para Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) e todo o papel que ela cumpre na formação continuada de servidores públicos e agentes sociais? Como planejar a médio e longo prazo sem a FEE, maior fonte de dados estatísticos sobre o Rio Grande do Sul e entregar essa produção de interesse público ao setor privado?

10. A Fundação Cultural Piratini que compreende a TVE e a FM Cultura tem a missão de promover a comunicação pública e democrática no Rio Grande do Sul, propiciando acesso à informação, educação e cultura. Além disso, sua programação tem o compromisso de incentivar a participação social, refletindo sua diversidade, expressões e seus anseios. A FM Cultura, dedicada à música erudita, popular brasileira e internacional, chega a atingir, atualmente, mais de 3 milhões de ouvintes. Além disso, a Fundação Cultural Piratini promove a cultura local dando espaço para os artistas do Rio Grande do Sul apresentarem seus trabalhos. Portanto, o trabalho desenvolvido pela FCP nunca será realizado pela iniciativa privada e seu interesse comercial.

11. De outro lado, um Estado com a vocação agropecuária como o nosso não pode abrir mão da Fepagro (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária). A Fepagro tem como objetivo realizar pesquisa e difusão de tecnologia agropecuária; estimular, planejar, promover e executar projetos de pesquisa agropecuária; participar da formação, orientação, coordenação e execução da política agropecuária do RS, além de programar e desenvolver pesquisas em cooperação com instituições privadas ou públicas. Considerando que a atividade agropecuária representa 13% do PIB do estado, seria responsável abrirmos mão de uma fundação que tem pesquisa e que promove essa área?

12. Outra medida da chamada “modernização da estrutura do estado” será a extinção da Metroplan. Responsável pelo planejamento urbano e pelo desenvolvimento regional, a Fundação tem também como objetivos fiscalizar e coordenar o transporte metropolitano coletivo de passageiros. Além dessas atividades relevantes, a Metroplan também é responsável pela prevenção de inundações no estado, já tendo recebido recursos do Ministério das Cidades para executar esse trabalho. A extinção da Metroplan coloca em risco não apenas a mobilidade urbana como também nos deixará mais vulneráveis aos desastres naturais, visto que não haverá órgão capaz de planejar ações com estas áreas atingidas.

13. Mais um atraso que as medidas de Sartori poderão trazer ao Estado é a extinção da CIENTEC (Fundação de Ciência e Tecnologia) que busca soluções tecnológicas para a sociedade gaúcha. A Fundação que Sartori quer extinguir oferece consultoria tecnológica para empresas gaúchas, que entre outras ações, já atendeu mais de 100 empresas apenas nesse ano.

14. Além dos prejuízos causados à sociedade gaúcha com a extinção desses importantes órgãos de fomento, pesquisa e gestão, existem outros aspectos que devemos considerar. Esses serviços não serão simplesmente extintos em suas necessidades e, no futuro, a “economia” gerada com tal desmonte será implodida com a necessária contratação de serviços externos, terceirizados.

15. As medidas do Governo do Estado estão equivocadas por três simples motivos: a) oneram sempre os mesmos setores da sociedade; as outras medidas tomadas por esse governo não alcançaram o sucesso prometido. Já temos décadas de “crise” e a conta cai sempre sobre a população, usuária dos serviços públicos e sobre o funcionalismo. b) O foco não está equivocado? Sartori e sua base só miram nas despesas e nunca na receita. Seria mais adequado um caminho desenvolvimentista, que fizesse crescer a economia e as receitas públicas. Ou não seria a hora de rever os incentivos fiscais e parar de nos render a lógica da guerra fiscal? Não seria o momento de realizar uma auditoria da dívida pública e garantir transparência para as contas públicas?

16. O Governo do RS repete mais do mesmo. Tenta repetir fórmulas vencidas dos governos Simon, Britto, Rigotto e Yeda que se mostraram plenamente ineficazes. Já nos disseram lá na década de noventa que o Estado deveria ser menor para que pudesse se dedicar à saúde e a educação. Isso foi prometido e não entregue. Sartori quer fazer o mesmo. Não é ao acaso a escolha de frases como “um novo Estado, um novo futuro” para apresentar o pacote. Frases de impacto, lance de marketing para confundir a sociedade e colocar na defensiva quem critica as propostas. A verdade é que para conter crises, o Estado tem que investir mais, gerar crédito e impulsionar o desenvolvimento. Sartori repete Temer com essa cantoria do ajuste necessário que só fará destruir o patrimônio público e não conseguirá entregar o que promete.

Publicado em Sul21

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