Movimentos contra a redução da maioridade denunciam manobra de Cunha

Reação dos manifestantes após rejeição da PEC 171/93 na Câmara ontem (Foto: Mídia Ninja)
Reação dos manifestantes após rejeição da PEC 171/93 na Câmara ontem (Foto: Mídia Ninja)

Na madrugada desta quarta-feira (1), o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o texto da comissão especial para a PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos em caso de crimes mais graves. Foram 303 votos a favor (dos 308 necessários), 184 contrários e 3 abstenções.

A votação foi bastante comemorada por movimentos de direitos humanos, que há meses intensificaram a campanha para conscientizar a população – e os parlamentares, em especial – sobre os prejuízos que a diminuição da maioridade pode trazer à juventude brasileira. Porém, no decorrer do dia, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou que deve levar à votação, ainda hoje, uma emenda aglutinativa à PEC.

No novo texto, o tráfico de drogas e o roubo qualificado seriam excluídos do rol de crimes que levaria o jovem com menos de 18 anos a responder como um adulto. A estratégia foi criada para convencer mais parlamentares a se posicionarem positivamente à redução. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) foi um dos que denunciaram a manobra.

“Há um golpe em marcha. Nós ganhamos ontem. Não podemos permitir que o presidente Eduardo Cunha violente a democracia e inverta a decisão soberana do plenário”, alertou. Para ele, o peemedebista age “sem respeitar o regimento e a Constituição”, no intuito de fazer com que a matéria seja novamente votada. Situação parecida já aconteceu com a proposta de financiamento empresarial de campanhas eleitorais, aprovada após uma manobra regimental do presidente da Casa, mesmo tendo sido rejeitada no dia anterior no Plenário.

Para a integrante do movimento “Amanhecer contra a Redução” Lia Bianchini, não se pode subestimar a capacidade de articulação de Cunha na defesa de seus próprios interesses e de seus aliados. Ela acredita que, diante do resultado de ontem, o deputado logo começou uma mobilização interna para que consiga aprovar o projeto. “Foi uma derrota bem grande para ele, que agora estará bem mais preparado”, avalia.

Protesto contra a redução da maioridade penal em Brasília (Foto: Maíra Streit)
Protesto contra a redução da maioridade penal em Brasília (Foto: Maíra Streit)

De acordo com Bianchini, o autoritarismo demonstrado por Cunha pôde ser percebido na forma com que os manifestantes foram recebidos
nas galerias. Muitos acabaram impedidos de entrar, mesmo tendo conseguido na Justiça a garantia de um Habeas Corpus e a decisão favorável da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), para acompanhar a votação. “É uma política dele mesmo, de fechar a Câmara para o povo”, lamentou.

A ativista afirma que o esforço em convencer os deputados para que se colocassem contra a proposta foi positivo e deve ser continuado, já que os votos dos indecisos fizeram toda a diferença no resultado. Para isso, ela lembra que o apoio da sociedade é fundamental na tentativa de pressionar os políticos a darem uma resposta condizente com o que se espera da proteção aos jovens brasileiros.

Entre os argumentos do grupo contra a proposta, está a necessidade de priorizar políticas públicas específicas para este segmento, garantindo condições adequadas de ensino, lazer e formação profissional, de forma a evitar o envolvimento de adolescentes com a criminalidade. Segundo os ativistas da causa, a opção pelo encarceramento a partir dos 16 anos só iria sobrecarregar um sistema penitenciário já bastante fragilizado, além de não surtir efeitos práticos na diminuição da violência.

Essa é também a opinião da deputada Maria do Rosário (PT-RS), que se prepara para a próxima etapa na luta contra a redução da maioridade penal na Câmara. “Agora, a nossa responsabilidade é maior ainda”, destacou. A parlamentar defende mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como a ampliação do tempo de internação de adolescentes em situações de crimes contra a vida, por exemplo.

No entanto, ela reforça que prender adolescentes a partir de 16 anos está longe de ser uma solução aceitável. “Estamos convictos de que precisamos de políticas de segurança pública e políticas de educação, e não essa falsa promessa através da redução da maioridade penal. Mais escolas para a juventude. Mais oportunidades para as mães, chefes de família, terem os seus filhos cuidados e atendidos”, ressaltou.

Pesquisa

Dos adolescentes encarcerados no país, 60% são negros e 51% não frequentavam a escola quando cometeram o delito (Foto: Agência Brasil)
Dos adolescentes encarcerados no país, 60% são negros e 51% não frequentavam a escola quando cometeram o delito (Foto: Agência Brasil)

Um estudo divulgado neste mês pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal, mostrou que, somente em 2003, eram 23 mil os adolescentes privados de liberdade no país.

Destes, 60% eram negros, 51% não frequentavam a escola e 49% não trabalhavam quando cometeram o delito. Mais de 65% deles viviam em famílias consideradas extremamente pobres. Das infrações mais praticadas por adolescentes nos últimos três anos, estavam roubo, furto e envolvimento com o tráfico de drogas.

As pesquisadoras responsáveis pelo levantamento, Enid Rocha Andrade Silva e Raissa Menezes de Oliveira, mostraram que as medidas socioeducativas em meio aberto – Liberdade Assistida e Prestação de Serviço para a Comunidade – são possibilidades reais de ressocialização, em que o jovem tem a possibilidade de ser acompanhado por profissionais, sem perder o vínculo com a comunidade em que vivem.

 

 

Por Maíra Streit, de Brasília

Publicado em Revista Fórum

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