Machismo de Congresso e Judiciário impede avanços, dizem deputadas

A cultura machista no Legislativo e Judiciário e a falta de estrutura para o efetivo cumprimento das leis ainda atrapalham os avanços nas políticas de proteção à criança e ao adolescente no país.

Essa é a avaliação da mesa “Avanços Legislativos”, que contou com a participação das deputadas federais Laura Carneiro (PMDB-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS), da senadora Lídice da Mata (PSB-BA) e de Maitê Gauto, assessora em políticas públicas da Fundação Abrinq.

“Legislar com temas como este tem sido desafio incrível. Temos aqui três mulheres legisladoras, mas temos um parlamento masculino”, afirmou Maria do Rosário.

Apesar dos avanços –como a lei 13.431, sancionada em abril, que prevê uma série de garantias para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência–, as mudanças são lentas e muitas vezes encontram resistências por questões culturais.

“Até pela formação do Judiciário, extremamente conservador, a marca do machismo está em tudo”, disse Lídice. “Quando a Justiça é conivente, ela está expressando um posicionamento da sociedade. Da mesma forma, a conivência existente no parlamento também é parte dessa sociedade.”

Laura Carneiro declarou que o conservadorismo do Congresso é mais grave do que as pessoas imaginam. “Para se ter ideia, a expressão ‘gênero’ não pode ser citada em nenhum projeto porque impede sua aprovação.”

A deputada Maria do Rosário citou como exemplo de machismo duas decisões recentes em que juízes descartaram a hipótese de abuso por considerarem que as vítimas, entre elas uma criança de oito anos, já tinham experiência sexual.

 

AVANÇOS

Em março, o Senado aprovou uma lei, de autoria da deputada Maria do Rosário, para evitar a chamada “revitimização”, isto é, a condução repetidas vezes de crianças e adolescentes vítimas de abuso para prestar depoimentos a autoridades não especialmente preparadas para ouvi-las.

Segundo o texto da lei, as vítimas devem ser ouvidas em depoimento especial, por gente especializada e com acompanhamento de psicólogo ou assistente social. O material pode ser gravado e apresentado ao juiz, sem a necessidade de novo depoimento.

O Senado também aprovou em abril um projeto que alterou o texto do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que determina o confisco de bens e dinheiro relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes no país.

Para Maitê Gauto, da Abrinq, é preciso monitorar o debate e a aplicação das leis. Segundo ela, levantamento da Abrinq apontou 3.048 proposições em tramitação no Congresso, das quais 1.773 se referem à proteção de menores. “Nesse rol, há muitas proposições que retiram direitos, mais do que protegem ou garantem.”

Para Gauto, o país tem legislação bastante consistente, mas sem uma estruturação de política pública e de financiamento que permita que essas leis sejam efetivamente aplicadas.

As discussões em torno da violência estão muitas vezes ligadas às consequências e não às causas do problema, diz. “No caso da exploração sexual, não tem como discutir violência sem discutir gênero, sem discutir a cultura do machismo.”

Ela afirma que esses temas são o pano de fundo para as reais desigualdades sociais que geram a violência e precisam ter atenção especial. “É uma contradição que, em um país que tem um dos conjuntos de leis mais moderno do mundo, o sistema de garantia de fortalecimento de direitos corresponda a apenas 3,5% dos projetos.”

Por LUÍS COSTA e RICARDO HIAR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

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